Águas Frias de Futebol e Regatas

Eu acompanho a vida do Botafogo com o mesmo interesse com que sigo o Balé Folclórico da Ucrânia e até três semanas atrás Vitor Simões para mim poderia ser o primeiro-ministro de Portugal e Leandro Guerreiro um cantor de axé sertanejo. Gosto de futebol, o único esporte coletivo praticado em uma velocidade e postura realmente humanas. A dimensão do campo também favorece a inteligência tática e a habilidade geométrica. Mas tenho horror a torcedores: variam entre a violência mais brutal e a estupidez pura e simples. Não consigo enxergar em suas manifestações tidas como apaixonadas o menor traço de espontaneidade ou alegria. Torcer é tornar-se interinamente burro, quando não é a mais esfuziante expressão da burrice.

Mas um clube perder por três anos seguidos o mesmo título para o mesmo time em condições sempre mais ou menos semelhantes é algo que, com ouço dizer desde antes de nascer, “só acontece com o Botafogo”. Conversava com um amigo botafoguense que me expôs o problema em termos mais pragmáticos e animadores: de três títulos disputados este ano o Botafogo ganhou um, a Taça Guanabara. Perdeu a Taça Rio e a final do Campeonato Carioca. O argumento mascara, porém, exatamente o que desespera os botafoguenses da linha mística, a saber, a maioria: “De novo?”

Essa repetição minuciosa é o que nos intriga, assusta e anima. É o que nos faz não propor que o time troque o preto e branco pelo amarelo e azul e o nome para Águas Frias, tomando a espiral como símbolo. Ao menos por sete anos jogaríamos assim, disfarçados e com outro nome. Para driblar o… Não, não vou escrever aquela palavra, não vou, não. Até me dou conta que nunca a escrevi! Sou mesmo botafoguense…

E continuarei sendo… Mas é muito chato ter de se imaginar sócio minoritário da alegria dos flamenguistas, gente que até pelo menos metade da minha vida eu tratei como fregueses (Lembro até hoje da abertura do texto de Antonio Maria Filho sobre o jogo em que o Flamengo deixou de ser nosso freguês: “Botafogo perde o último patrimônio”).

Agora somos nós os fregueses – ou melhor, sócios minoritários. Porque, como eu disse, tome a escalação dos dois times e veja se não parece reunião de diretoria: Fábio Luciano, Ronaldo Angelim, Léo Moura, Erick Flores, Leandro Guerreiro, Léo Silva, Túlio Souza, Victor Simões.

Parece brincadeira, não? Eu sou do tempo que jogador não tinha nome, tinha apelido. Claro, havia exceções magníficas: Nilton Santos. Djalma Santos. Ou seja, só aos santos era permitido ter nome composto. Agora é essa farra. A gente lê a escalação e até parece que o futebol passou a ser jogado com 15 ou 20 jogadores em campo.

Ao mesmo tempo, não há mais time. A cada ano, novos nomes compostos aparecem. Não duvido que breve até o nome das posições mude. Não vai ser mais “meio-campo”, mas Gerente de Distribuição. Lateral esquerdo será chamado de Diretor-Executivo do Setor Norte. A escalação será qualquer coisa assim: Diretor de Planejamento: Fábio Souza. Gerente Executivo: Carlos Moura – e por aí vai.

Enfim, à espera de dias melhores, sigo discretamente Botafogo.

1 Comentário

  1. Sou solidária a você, nós botafoguenses somos de uma tenacidade na escolha da manutenção “em sermos do time”… Me parece herança de família ser Botafogo, a gente é desde criancinha e apesar do que aconteça, prosseguimos Botafogo. Saudações alve-negras, rs.

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