“No meu tempo” quando?

… às 15 horas eu estava lendo na Squire o talvez mais famoso texto de Gay Talese, aquele que lhe abriu, por assim dizer, as portas da fama que acabou por trazê-lo à Flip deste ano, já então um personagem de si mesmo, com seus inúmeros ternos (trouxe 25, conta-se), sapatos, gravatas e uma infinidade de acessórios, um guarda-roupa de celebridade pop, enfim.

Entre as muitas matérias sobre Talese e a Flip que uma simples busca no Google oferecia, encontrei uma bem completa e objetiva que me remeteu direto ao mítico texto, fresquinho como um clone de Adão recém-criado.

Frank Sinatra Has a Cold tinha para mim um certo gosto de infância, uma espécie de café com leite com pão e manteiga literário, por transcorrer num mundo que mal nos damos conta que já não existe mais,

apesar de, na superfície, homens resfriados ainda se debruçarem silenciosos sobre balcões de bares cercados por mulheres receosas de abrir a boca enquanto ao redor casais que se crêem apaixonados (ah, o amor, “que seja infinito enquanto dure“, para citar um contemporâneo de Sinatra que alguns anos depois ouviria a voz do cantor transformar em hit mundial a música composta para uma garota anônima que frequentava a praia de uma quase aldeia carioca chamada Ipanema… Conta-se, e o caso incorporou-se à mitologia da Bossa Nova, que, um dia, talvez um sábado de verão à tarde combine mais, estavam Vinicius, tom Jobim e mais uma turma bebendo chopp no Veloso, bar que funcionava como escritório dos dois, quando o dono do bar grita do caixa: “Tom! Telefone pra você! É o Frank Sinatra!”. Ninguém acreditou, nem o Tom. Era mesmo. Queria gravar Garota de Ipanema. O sucesso foi tanto que até o bar mudou de nome… ),

sim, no texto de Talese, casais que se crêem apaixonados, eu dizia, trocam (trocavam, trocam e trocarão sempre) carícias entre sorrisos e sussurros, ao som de Frank Sinatra cantando In the Wee Small Hours of the Morning (experimente, pode ser mesmo infalível), uma música desconhecida hoje, mas o carro-chefe de um long play (Meu Deus! Eles estão… voltando!) produto de mais uma parceria entre Sinatra e seu melhor arranjador, Nelson Ridle.

Pois, eram 15:07 quando eu interrompia (talvez para sempre, esse um dos problemas deste novo mundo, a descontinuidade excessiva…) a leitura do texto de Talese para ouvir In the Wee Small Hours of the Morning na voz de Sinatra (baixado usando uma ferramenta gratuita de busca p2p chamada SoulSeek) e acompanhava a letra para que nada do seu sentido me escapasse, tendo um dicionário online de português-inglês ao lado (o que isso significa em um mundo em que as coisas se “desmaterializam vertiginosamente? “Ao lado” aqui é só uma expressão, um modo antigo, anacrônico e impreciso de dizer, “próximo” ou “a mão”).

Certamente, quem já nasceu neste mundo vê tudo isso com a mesma naturalidade de quem pede um cafezinho no balcão, mas eu, eu que nem pareço tão velho assim, e trafego por esse mundo digital com a agilidade de um surfista (e, espero, a sabedoria presumida de um velho lobo do mar), ainda me surpreendo com essa velocidade – ou melhor até, com essa facilidade: dois, três cliques e, em segundos, minutos talvez (ah, que impaciência!) e aquilo que há 15 anos nos custaria dias, talvez semanas, para obter, nos chega aos olhos, imaterial e presente… (Sim, enfatizo esse que me parece o principal e mais comprometedor aspecto de tudo isso: imaterial, insubstancial, quase inexistente. Essa música, por exemplo, nada mais é do que um ponto microscópico em um longínquo HD em algum lugar do planeta…).

Sou de um tempo, já que falamos de velocidade, em que Emerson era uma marca de radio e tv (que já nem existe mais! E quem ainda lembra que Emerson Fittipaldi foi um campeão brasileiro de Formula 1?). Sim, em noites de inverno (que no passado costumavam ser mais frias), minha mãe esquentava as meias em cima do rádio Emerson, uma grande caixa de plástico duro, uma especie de galalite que eu sonhava em derreter para fazer botões (quem ainda joga botões?), enquanto eu acompanhava a transmissão de algum jogo noturno do Botafogo (Ubirajara, Zé Carlos, Moreira, Leônidas e Valtencir; Carlos Roberto e Gerson; Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo César).

Um tempo, como acabo de ler na revista de domingo de O Globo (infelizmente, apenas acessível na internet para assinantes do jornal impresso, uma prática jurássica que não deve durar mais do que alguns anos, mas custará aos praticantes um número incalculável de leitores, o que talvez lhes comprometa a existência futura), em que um rapaz saía do Lins e “viajava” até a Tijuca para encontrar outro que ouvira dizer tinha a “letra impossível de achar” de uma música de Elvis Presley – encontro que seria a gênese da mais profícua parceria da música popular brasileira: Roberto e Erasmo Carlos. (Ah, Lins e Tijuca são bairros do Rio, fora do circuito classe média e chic da Zona Sul. Quer saber exatamente onde fica? Procure no Google Maps!)

Mas, voltando ao texto de Gay Talese…

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