Meus lugares escuros

James Ellroy não se parece com nenhum outro autor e ao mesmo tempo tem um pouco de toda a literatura americana. Em sua prosa ecoam o verso livre de Whitman, a meticulosa obsessão de Poe, a loucura febril de Melville, o experimentalismo narrativo de dos Passos, o inevitável toque conciso de Hemingway, o espírito e a verborragia de Miller e de todos os beatniks. Isso é o que parece claríssimo a um profundo desconhecedor monoglota da literatura americana, como eu. (Outro dia me dei conta da quantidade de autores americanos que já li, e percebi para minha surpresa a força dessa literatura em contraponto à imagem que se criou do americano inculto).

Sua prosa é deliberadamente “suja”, excessiva, mas subordinada a um compromisso com o realismo e a exatidão. “Precisão por acúmulo”, digamos assim. As informações as vezes se superpõem para formar um grande quadro na mente do leitor, aparentemente lançadas sem nenhuma seleção prévia. O texto flui com velocidade e clareza, o que mantém o leitor preso à narrativa de um modo raro.

Da minha parte o que eu posso dizer é que é dos melhores narradores que já li. Tablóide Americano e Seis mil em espécie devem ter juntos quase mil e quinhentas páginas, mas ainda não conheci quem tenha conseguido parar. Eles nos envolve na sua obsessão, é isso. Somos conduzidos por nossa própria vontade, envolvidos pela sedução so texto – como as vítimas de suas histórias.

Acabei de ler Meus Lugares Escuros, onde a pretexto de investigar o assassinato de sua mãe, Ellroy escreve uma quase autobiografia. O mesmo método da “precisão por acúmulo”, mas agora aplicado na estruturação do livro, dividido em 4 partes, cada uma contando a mesma história sob pontos de vista diferentes.

Estabeleci uma relação arbitrária, mas muito interessante, com o livro de um autor que poderia ser tomado como o antípoda de Ellroy – mas que também é dos meus favoritos: O Inventor da Solidão, de Paul Auster. Nesse livro,  Auster busca “reconstruir” para si mesmo o pai que acabara de morrer (de morte natural) a partir de uns poucos dados deixados de herança e em especial uma foto (cito de cabeça, baseado na minha péssima memória).

Os dois, cada um a seu modo e estilo, investigam a própria origem, no sentido mais amplo da palavra, momento inevitável da vida, especialmente de escritores. São dois livros imperdíveis.

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