Chuvarada

Nunca vira a cidade assim.Era terça feira, por volta das nove e as lojas estavam quase todas fechadas, algumas com um ou outro empregado na porta como se uma subita controvérsia sobre o calendário tivesse criado a dúvida se aquele dia era segunda ou domingo.

A natureza cumprira mais um ciclo de chuvas ferozes a cada 22 anos e deixara um rastro de morte, perplexidade e cansaço. A chuva parara, mas o céu continuava de um cinza que não era ameaça, mas certeza: logo choveria de novo. Quanto, era imprevisivel. A avenida aquela hora assim, vazia e silenciosa, nunca vira. Fosse como fosse, havia calma. Desolada, exausta – mas uma forma de paz.

De fato, o dia se tornara um feriado com alguns tentando vir para o trabalho e outros que ainda nem tinham conseguido voltar para casa. Arvores caídas e imensas poças, rios e lagoas transbordando, aterros alagados, desmoronamentos, acidentes e mortos tornaram impossível o trânsito pelo cidade. A cidade parara. E todos de um modo ou de outro pareciam se dar conta da fragilidade de tudo. “Oi, hoje tem, amanhã, não. Oi hoje tem, amanhã, não”.

* * *

As nuvens passam rentes à minha janela, velozes e cinza-aço como se fossem navios.

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