Ferradura e Itapuã estão certamente entre os melhores dos melhores. Para quem conhece um pouco de Capoeira Angola, quem é capaz de ouvir ao menos algumas palavras do que eles estão dizendo, é fascinante.
Quem não conhece nada, se extasia com a liberdade – inesperada, estonteante – dos movimentos, a elegância letal de todos os gestos, o controle milimétrico dos músculos que faz o corpo passar de lento a veloz, de manso a feroz, por paixões e caprichos que às vezes nem quem joga sabe as razões exatamente.
(Acima dos jogadores parece haver o jogo; e o jogo às vezes possui os jogadores. Então eles já não respondem por si. Momento temido porque é quando acontecem as maiores bobeiras e as maiores maldades)
Revendo com mais calma, não há como – em algum momento ao menos -o sujeito não se render á idéia de que nada existe de comparável à capoeira como prática fisica. Não há esporte, luta, ginástica, dança – não há nada igual, exatamente porque ela é tudo isso – e ainda traz, guardada no fundo do bolso, meio amassada, como um recado anotado num pedacinho de papel, uma metafísica. Muito evidentemente ela é uma filosofia, uma filosofia prática, um modo de vida, e está intimamente ligada à religião, seja o candomblé, pela via dos orixás, seja a umbanda, pela via dos ancestrais.
Mas o que eu digo é que, de tudo isso, ainda se depreende com “velada clareza” uma metafísica “ocidentalizável”, na tradição que para nós remonta ao que se cismou de chamar de pré-socráticos – ou mais longe ainda, a Salomão e a Rainha de Sabá – primeira parceria entre negros e judeus registrada. A mais recente deu no jazz…
(Tags: circularidade, surpresa, improviso, desdobramento, sentido do jogo, da relação com o outro, do diálogo, pergunta e resposta, intersubjetividade e movimento, pensamento e movimento)
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A capoeira é certamente uma criação brasileira, criada e desenvolvida no Brasil, por brasileiros – por africanos, índios e europeus misturados – ou seja, algo que não tem 500 anos. Por outro lado, nada parece mais antigo, mais ancestral e profundo. “A capoeira é infinita”, dizia Pastinha e isso, claro, se interpreta de muitos modos – daquele relativo ao próprio jogo, assim, cada jogo – seja numa roda de mestres, seja numa simples vadiagem – cada jogo é infinito e imprevisível – e sem fim também no sentido de “ausência de finalidade” – esse alías o sentido exato de “vadiagem”.
(Vadiar seria então esse abandonar-se ao jogo sem fim – sem intuito, sem projeto, movimento sem intencionalidade! Uau! É exatamento isso que procuram todos os orientalismos que conheço!)
Mas também infinito no sentido que mais me interessa aqui e agora, aquele que remete a uma origem que se perde no tempo, capoeira-mãe de todo movimento consciente, primeira dança, primeiro tudo – anterior a tudo: tai chi, chi kung, kung fu, etc, etc… Assim, é como se o Brasil tivesse sido “escolhido” como o lugar de refundação dessa sabedoria ancestral, tão velha quanto o mundo. É a hipótese para mim mais fascinante.