esboços de metafísica

O apego às coisas quer alterar a ordem do tempo: quer que o passado permaneça no presente.
Alterar a ordem do tempo é já da esfera do divino. Do homem se espera que reverencie o passado como passado e viva o presente com as coisas do presente.

Então há algo de profano, de antinatural mesmo, em se apegar às coisas ou ao passado. As coisas também têm que passar. É natural. E profano por que “alterar a ordem do tempo” é coisa para Deus, não para os homens.

De profano (será essa a a palavra?) e de doentio, de neurótico – isso de reter, de interromper o fluxo, de trazer para o presente as mágoas do passado.

Quem quer o passado no presente não deixa que nada no presente cresça.

Tem um trecho de Mateus que eu adoro: “Não vos inquieteis, pois, pelo dia amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.”

Ou como se diz “por aí”: “Só por hoje”.

* * *

Por outro lado, é sobre esse “material” que a arte trabalha (usando uma ferramenta poderosa que é a imaginação). A arte transforma a memória em ficção, em narrativa.

Acho que Joseph Campbell concordaria com essa idéia. Campbell é o cara dos mitos e dos sonhos, que enxerga uma coisa comum em todos os mitos: a narrativa do herói em buscade algo que não está no mundo (mas em outro mundo), mas pode modificá-lo, alterá-lo ou restituir-lhe a grandeza perdida. Estou lendo ainda “O Herói de Mil faces”.

7 Comentários

  1. “Hoje percebi que ando me apegando às coisas materiais que me dão prazer/ O que é isso, meu amor?/Será que eu vou morrer de dor?” Do meu Loki preferido, Arnaldo Batista.
    Mas também adoro quando ele diz que vai se atirar na lingerie se perder na relatividade das pequenas.

    Beijos físicos ainda melhor que metafísicos.
    Deb

  2. Não sei mensurar o tempo. mas intuo talvez q não existe o ‘aqui agora’, ao menos, p os humanos. Viver o presente é romper até ( para quem crê) com a possibilidade de encontrar a Deus. Porque Ele não se dá no hoje, mas na expectativa do amanhã, porque o agora é o ‘mais do que imperfeito ‘ e a reminiscência ( Platão) nos aponta para o mais q perfeito.
    Vc vê o mal sim, porque deve ter alguma utopia, esta que parte da ideia duma desarmonia do Presente.
    Eu repudio qualquer teoria que diga “Viva o Presente”, se eu fizer isso, voltarei a ser bicho, fato que não considero menor, bicho, somos isso. Mas eu creio que ainda que existe o Darwin pra me confundir, ainda que..creio – e até peço desculpas p dizer isso – somos uma espécie que, por ter consciência, subimos um grau na escalada da alma. Somos mais perto de Deus, sim. Eu acho. Mais que o peixinho. Mas o mistério deste a Deus pertende, não a mim. Sei da humanidade e da sua impossibilida de ser dar ao hoje. Aceito isso e fico em paz.
    Respeito sua vontade de viver o ‘já agora”. Mas não quero isso pra mim. Não posso viver o que não há, seria teimosia.
    Deus me espera é no amanhã, no agora, são só epifanias.

  3. É estranho, porque, por outro lado, SÓ existe o aqui e agora.
    É claro q se a gente reduz o presente ao inapreensivel instante, mas não é esse o caso. E se não é, persiste a pergunta: o que é o presente? Ou melhor: quanto dura o presente?

    É, eu não sei… Eu etendo esse apelo que vc e a Ivna vêem nas coisas (entende porque eu disse q não distinguia “o passado” de “as coisas” – e até apaguei esse trecho?). É um apelo e não um apego. Talvez vcs tenham um visão ais forte, mais real ou realista.

    Eu ontem vi o Slumdog Millionaire, aquela fábula indiana… uma hora me dei conta, horrorizado, quase em pânico, que eu não me dou conta da maldade do mundo. Não me dou conta que há o mal.

    Num mundo onde o mal domina não há presente? Será isso?

    E o amor dele por ela, ele está sempre no presente, ele é uma história, mas está sempre no presente?

  4. Eu só digo que não se pode sair por aí, dizendo a todos ‘viva o presente, viva o Presente’, simplesmente, porque não é possível saber o que seja o Presente. Ele não se dá à análise, não pode ser objeto de estudo. Eqto houver memória o Passado é o Presente ( nem menciono o Futuro).
    Quem sou eu? Uma ex-moça bonita. Hoje não o contrário disso mas um ‘não isso’. Sei quem sou por causa do passado.
    Pedir à mãe que esqueça isso e aquilo é condená-la a perder a identidade. Viver o presente para ela pode ser guardar um ursinho do filho.
    Até quem perdeu a memória não a perdeu de todo, pois, se ainda consegue falar, tem as palavras consigo.
    Não existe o ‘aqui agora’.

  5. Bom saber que minha mãe é como outras mães…
    O apego que minha boa mãe tem as coisas é tão forte, é quase um vício, é como se ela pudesse aprisionar o tempo, como se dessa forma as lembranças povoassem a casa, fizessem parte do seu dia… as cadeiras que foram da minha avó, as velhas roupas do meu falecido pai, os meus cadernos de infância. Antes relutava muito contra isso, mas hoje entendo que ela age na tentativa de controlar o tempo, fugir a solidão e a velhice, evitar as mortes…

  6. Puxa, Rose, é muita coisa. Reparei que vc parece miasturar viver e pensar. Viver o presente, pensar o presente. Concordo até que pensar tem um tempo próprio. Talvez… Mas não acho que viver o presente seja uma falacia, a menos quese tome viver o presente um viver sem prudencia, sem pensar em nada… Na pratica, talvez seja um “viver com pouco”, um “viver com aceitação do que se tem”, “viver com aceitação o que se é”.

    Sabe como começou esse post? De um papo com minha mãe. Eu tentava convencê-la a colocar os apetrechos de limpeza da pia da cozinha não mais no armaário sob a pia, mas sobre a pia, onde ela não precisaria abaixar-se para pegá-los. Ela não se convence – ou melhor, nem convencer-se é capaz de faze-la mudar. Eu acho estranho isso. Sempre achei. Esse apego dela às coisas. Ela chega ao ponto de não as usar para elas durem. Durem pela falta de uso.

    Não aceitar q as coisas passem. Não é ser indiferente a elas, descuidado, desperezador – não. É deixar que vivam e que morram, é deixar q sigam seu destino de ser neste mundo onde tudo é finito, é deixar que elas sejam e acabem.

    Fico imaginando qum homem sem memória tem que concentrar toda a sua atenção no presente para saber cada coisa de novo, pq tudo sempre é uma novidade.

  7. esboços de metafísica ( e minha uma vã tentativa de refutar tudo…hauahauah)

    ”O apego às coisas quer alterar a ordem do tempo: quer que o passado permaneça no presente.”
    ……………..

    – o apego pode se dar no ”hoje”, agora, já. Exemplo? Apego-me ao chocolate que ‘agora’ devoro.
    ……………..

    ”Alterar a ordem do tempo é já da esfera do divino. Do homem se espera que reverencie o passado como passado e viva o presente com as coisas do presente”.
    – Esperar q o homem viva o presente é projetar…é ‘futurar’…
    ……………….

    ”Quem quer o passado no presente não deixa que nada no presente cresça”.

    – Nada cresce no presente, caríssimo, pois o presente é o crescimento do passado ou a ‘plantação’ do futuro( exceto a ânsia e o desejo). Além disso, estamos mergulhados no tal ‘aqui agora’, uma condenação q limita o pensar humano. Não se pensa o presente, não se reflete sobre, já que ele não passível de verificação e de ser objeto de estudo. Ele é-nos. Repito: não se pode pensar o presente porque se está inserido nele. Portanto, propor que se viva no presente é um raciocínio falso.

    ………………………

    ”Ou como se diz “por aí”: “Só por hoje”.

    – Não há como pensar só por hoje. A sequência com q seu ráciocínio vem ou a organização das frases. Até os mantras vêm atados do passado, seja na construção dos fonemas e frases, seja no impulso q nos faz repeti-los. E se constroi na ânsia para e pelo futuro.
    A língua enove-la de passado e futuro.

    Por favor, pare de propor que se viva o presente. Isso é uma falácia. Ninguém sabe o que é o presente, mergulhado que está nele.
    Até!

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