duração

“A diferença entre sujeito e objeto é puramente abstrata”, me diz Allan Watts, no melhor livro sobre filosofia oriental que já li.

“Puramente”? Será mesmo? “Puramente” não seria o nosso mais arraigado preconceito ocidental – tão alemão, tão “reformista”, tão hegel e kant (tão schopenhauer, tão nietzsche, tão freud). Tão “luterano”?

Para escapar da contradição o não-dualismo tem de ser mais do que meramente a negação (dualista!) do dualismo. O que de modo algum significa que não se possa (e deva!) eliminar do ato de contemplar ao menos o essencial do que a gente pode chamar de “subjetivo”, “egótico”, ou mesmo de ” arrebatamento romântico” com que uns tentam dar mais cor à vida – que disso de fato não carece.

Há uma preocupação maluca em negar a duração, esse profundíssimo mistério que é o ser. A percepção da persistencia do eterno mesmo na incessante sucessão, essa delicada percepção de que a despeito da voracidade do tempo finito persiste um sentido de unidade, de unidade duradoura, de coisa que dura se dissolvendo aos poucos de volta ao invisivel.

A duração como medida do ser que tem como extremos o instante e o eterno.

Negar a duração é uma conclusão falsa e desnecessária do desejo de “esvaziar-se” desse mero conjunto de aversões e cobiças que é nosso eu mais superficial e que infelizmente “com o tempo” vamos confundindo cada vez mais conosco. Em conta de tirar da nossa frente esse incomodo e inutil obstáculo à apreciação da vida, se acaba negando a duração, essa duração auto-consciente que escreve agora estas palavras, capaz de dar testemunho do que viu, sentiu e viveu.

Querer se desfazer do ego não pode significar a renúncia ao poder testemunhal da palavra humana.  O valor ético da palavra que dura. Ètico, didático. Terapêutico e pedagógico.

A “dimensão humana” é inseparável da duração, e discutir se ela faz parte do mundo, da natureza é uma prova da fraqueza filosofica de quem pergunta, de um pensamento sem vigor. Há o humano e ele está no mundo. Nosso eventual mal-estar, nossa melancolia às vezes tão próxima da angústia, decorre de pensarmos, de percebermos o instantâneo e o simultâneo , a eternidade e o instante, o impensável tudo ao mesmo tempo agora e o inapreensível instante, o quase nada, o quase tudo, que são os extremos do pensamento,  the wild frontier onde estamos mais proximos do absurdo.

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