notas precárias sobre a natureza

A natureza é um grande delírio deambulatório. Na natureza, na vida, tudo se move todo o tempo, em ciclos que se repetem indefinidamente por séculos. A reprodução, a continuidade da vida, parece depender dessa deambulação permanente.

(Quando fala natureza falo da natureza menos o homem)

Tudo é Deus, tudo é dotado dessa inteligência plástica que está presente na própria idéia de mutação, de “evolução” – no sentido acrobático, por favor. A vida interage com o meio e responde plasticamente, se adaptando às condições.

(Talvez essas novas especies que aparecem não estejam sendo descobertas, mas sim surgindo, conforme o tempo corre incessante, a vida se adaptando, respondendo aos impulsos do lugar, de cada lugar, a cada momento)

Então essa inteligência – que é o antiacaso por definição – está presente até na ideia de evolução, de adaptação. Pois, imaginar que essa resposta possa ser guiada pelo vago acaso quando a luta é literalmente de vida ou morte é substimar a própria natureza.

A plasticidade da vida é um fato e ela supõe ou denota uma inteligência que só pode então estar nas coisas, em tudo. E aí, claro, sinto muito, não dá como não usar a palavra q tanto parece nos atormentar: Deus. Algo que só ouso chamar de Absoluto porque sei que está para além de mim, inacessível. Absoluto aqui é sinônimo de impensável, de indizível. Mas que pode, sim, ser intuído – de um modo que será necessariamente pessoal e incomunicável.

Eu sei que estou suspenso no ar a trinta metros do chão, mas não posso desde este quarto inundado de luz deduzir o prédio que me abriga. Eu estou nele. Só poderia falar dele se estivesse do lado de fora. Essa imagem, essa metáfora tão cotidiana, ilustra bem o impasse lógico a que chegamos quando alcançamos os limites do pensamento, quando ele alcança ou tenta alcançar o territorio não diretamente discursivo da intuição. Há o impensável – como condição do próprio pensamento.

(Há uns patos cuja a vida é ir da Patagônia ao Canadá, transar, voltar, parir e partir para o Canadá… Uma espécie dedicada ao turismo sexual. Há os salmãos, que acrescentam a tudo isso um tom de tragédia. E as cigarras, tão românticas em seu destino às avessas.)

Pode parecer bonito, sim, mas às vezes também um resignado hospício.

1 Comentário

  1. De cara perco a fé, quando constato o aumento populacional. Haverá Deus neste mar de carros de janelas pretas? Onde um Deus, nas quantas bocas, descartando palitos, caixinhas? Cuspindo palavras sem som e gritadas?
    Deus dará conta das multidões?
    Entendo a Deus tão tão pequeno! – e absoluto – a ponto de brotar no um, no esforço do um, no querer simples mas exigente do um em um. Para tocar a Ele é no piano piano do sem teorias. O intelecto não encontra nem um caco desse rumo. Daí um outro ou este intelectual ser nervoso ou ressentido.
    Deus, em brinquedo de imaginar estrelinhas, de intuir o além da carroça, quieto dormindo no feno. E, por isso, tenho medo dos cardumes e da ausência dEle nos cardumes. Mas Ele há de ter piedade de mim, tão boba.

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