“Penso logo existo”

“Penso logo sou” – o que Descartes faz é estabelecer uma relação entre ser e durar. Uma relação mais ou menos óbvia – ou materialmente evidente – mas como tal perdida entre outras tantas evidências que se abrem a um observador atento. Porém, extraída de uma meditação radicalmente introspectiva porque se constrói a partir da negação da verdade de todas as idéias que lhe lhe vêm à mente – das ideias sobre a existencia e aparencia de objetos aos conceitos puros da matemática, passando pela memória e a imaginação – essa relação entre ser e durar torna-se o marco reinaugural da filosofia que, a partir daí, em sintonia com o “espirito do seu tempo”, se reconstrói em torno do individuo – ou da percepção inegável da radical singularidade de tudo e cada coisa, quer falemos do ser, quer falemos do instante.

A meditação como proposta por Descartes torna-se um verdadeiro “exercício metafísico” no melhor estilo “faça você mesmo”, dispensando a mediação acadêmica do especialista. Esse “reformismo” filosófico não parece ter escapado aos teólogos da Sorbonne, que se recusaram a sancionar o texto.

No entanto, o Deus que emerge das Meditações é católico e não protestante, afinado com Santo Agostinho do que com Lutero ou Calvino. A mesma plasticidade que existe na Fisica cartesiana dá a forma desse Deus, onde a compaixão é um valor estético* (veja comentário abaixo). Um Deus imanentíssimo, onde liberdade e ordem convivem sem conflito e que faz do Mundo, da Vida seu espelho e do Homem, da Consciência seu confidente.

1 Comentário

  1. A compaixão exige ausência de regras. Ou melhor até: ela as torna inúteis. A compaixão é radicalmente inclusiva. Se imaginarmos uma “metafísica da compaixão”, ela projeta um mundo de “pura positividade” onde “Tudo é bom” ou “Tudo é um” ou “Tudo é Deus”. Não há fato negativo.

    Não há bem ou mal. O que há é o poder da Consciência de sair do fluxo incessante da Vida e ascender um grau que seja, tornando-se uma individualidade, uma alma imortal. Os que morrem “em pecado” simplesmente perdem essa oportunidade de “ver Deus” ou “iluminar-se” nesta vida através do exercício da “autoconsciência compassiva”, o primeiro degrau de uma longa escada. Mas não creio que essa “viagem” seja necessariamente racional e dogmática. Não se trata de uma adesão racional (ainda que, é bom frisar, não possa TAMBÉM sê-lo) ou meramente oportunista, mas algo que ocorre no coração, no cerne.

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