ser e durar

Sobre a idéia da duração como critério de ser como exposto por meu amigo Waldemar Mendonça Reis nos três primeiros parágrafos deste texto escrevi a nota que segue abaixo.  Além da leitura dos parágrafos citados é preciso que se tenha lido também as três primeiras Meditações Metafísicas de Descartes para entender do que se trata (ou ao menos dê uma lida nisto).

“Eu digo que a primeira proposição geral que a experiencia do cogito nos dá é o critério de existência “tudo que dura é” ou “ser é durar”. O que, por sua vez, dá fundamento ás minhas ideias: na medida em que duram, elas também são algo.E minhas ideias – ou seja, o ambito da intimidade – se não erguem pretensão de verdade sobre o mundo exterior – são inalcançaveis – mais ainda, são inexpugnáveis – pela dúvida. As idéias são o que são: seres (porque duram) virtuais ou não-espaço-temporais. De fato, só aquelas que são sensíveis – ou falam de entidades manifestas espaço-temporalmente são alcançadas por ela. E a elas, aliás, se limita o que hoje entendemos como “solipsismo” como angústia.Por outro lado, se eu sou e minhas ideias são “em mim e para mim ao menos” há aí um “mundo” do qual posso legitimamente falar.Então é interessante que partindo do zero – da dúvida hiperbólica ou da negação que qualquer coisa possa ser que se representa na idéia de escuridão e silêncio – emerjo um. “Penso logo sou” pode ser reduzido a “Existe ao menos um”. Partir do zero significa também que se podemos “idealizar” o zero, o nada logo o nada é algo pensável, representável. Então o nada existe sob a condição de não ser nada. Soa um pouco comico falar do nada, mass é inevitável. Serve para mostrar que um nada que existe como idéia é algo já. Logo não há o nada. Mas há o zero. Essa ideia de escuridão e silencio vivida agora por mim como meditador. “Penso, logo sou”.(O que está aquém do zero pode ser pensado? Aquém do zero seria o microcosmo, o subatomico? Não sei…)

Temos então o zero e o um extraídos da experiência meditativa cartesiana. Diria assim: “da experiência de afirmar o nada extraio a ideia irrefutável que existe ao menos um”.

E por que essa ideia de nada feita de escuridão e silêncio é irrefutável? Essencialmente, porque ela dura sem mudar. Então ela é igual a si mesma – então não é possível fundar uma espécie de “ceticismo temporal” que só nos permitiria validar a verdade do instante presente, anulando toda possibilidade da verdade como uma “cadeia de ideias coerentes”. Não é possível porque todos os “momentos” da ideia de nada são iguais a si mesmos como uma representação do “eterno presente”.

A segurança que a idealização dessa ideia dá àquele que a idealiza é a substância íntima dessa experiência.

O eu que emerge daí é interessante porque ele é vazio de conteúdo, mas legitimado a, por outro lado, pensar qualquer idéia. Ele é livre e vazio, “redondo e sem arestas por o possam pegar”.

E esse é o segundo passo desse “ser pensante” que já possui alguns conceitos: “existe ao menos um”, “zero”, “tudo que dura é”, “1”: pensar suas outras idéias, inclusive aquelas “tabu”: as ideias sensíveis.

E só após um delicioso inventário das ideias que nos passam pela cabeça que pode durar anos ou mesmo uma vida inteira sem jamais se completar, esse ser chega á idéia de Deus. Que é legitimado por outra experiencia também de algum modo fisica discrita no momento chamado de “o pedaço de cera”. Deus na experiencia cartesiana aparece não pela via do perfeito – a via logico-retorica do argumento de anselmo – mas pela via do infinito empírico-matemático do pedaço de cera.

O infinito emerge da percepção que o pedaço de cera ao ser derretido pode tomar infinitas formas todas contidas naquele pedaço de cera original e todas, qualquer uma, sendo aquele pedaço de cera, algo que muda, que dura, mas que tem sempre atualizaveis e fazendo parte de sua existência de algum modo um infinito de possibilidades.

Então é como se tudo que é estivesse mergulhado em infinito poder ser e de lá emerge e para lá retorna. Imagem, ressalte-se, inteiramente compativel com a fisica (geometrica) de Descartes.

Então, do zero chego ao um e do um ao infinito. É interessante lembrar que na metafisica matemática de Pitágoras zero vezes infinito é igual a um porque são esses os elementos matemáticos que emergem da experiencia do cogito.

Então, examinando como ideia aquilo que penso ser (exterior a mim: o pedaço de cera) percebo que sou capaz de enxergar não só o que é atual e presente, mas o que poderia ser ou vir a ser. Enxergo não só o que é como o que é possivel de ser.

(E tudo que é pensável pode ser? Eis a questão que marca o caminho de retorno para o mundo)

A essa “intuição do possível” pode-se chamar “infinito” porque enxergo no infinito possibilidades incontáveis. Ou ainda melhor: o infinito é o nome que dou ao “inconcebível”.

Concebo o nada como escuridão e silêncio, algo que dura sem mudar, e concebo o inconcebível como o infinito vertiginoso e ofuscante. e concebo a mim mesmo como aquele que é capaz de conceber essas ideias como verdadeiras e irrefutáveis e delas “entender e modificar o mundo”.

Então, a partir da constatação de que o que é emerge do que pode ser – então tudo que é sempre pode ser e por outro lado tudo que virá a ser já está dado – , cria-se uma outra dimensão de mundo, o mundo virtual do que pode verdadeiramente ser, paralelo ao mundo que é e de onde este emerge.

E o tempo todo o estamos aferindo, testando – no sentido popperiano. Nesse sentido, a relação de “correspondencia verdadeira” entre a consciencia e o mundo é algo trivialmente irrefutável. Tentar diminui-la, deslegimitiá-la ou qualquer coisa assim só pode torná-la ou menos eficaz ou mais cruel.

Talvez tenha chegado a hora de ler as meditações cinco e seis, coisa q até hj não fiz de fato.”

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