palavras

Você quer uma palavra que resuma o futuro próximo? Reloadable.

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O que eu quero dizer com isso? Bem, reload significa recarregar. É assim que resolvemos quase todos os nossos problemas no computador: recarregando os programas. Reloadable significa recarregável – ou seja, é a qualidade de tudo que pode ser recarregado. Mas não são só os programas de computador que são recarregáveis. Pilhas e baterias também. O celular, por exemplo, é reloadable. Fiquei imaginando se isso também não seria (ou poderia ser) uma maneira de ser, uma ética. Em vez de uma história, uma teleologia, algo que tende para um fim, temos um processo, algo que se instaura e se mantém, quase atemporalmente e que, se por acaso chega a algum impasse insolúvel, simplesmente se desliga e liga novamente, recomeça do zero,  como se nada tivesse acontecido, isto é, sem história. Esse “atemporalidade” (na falta de um nome melhor que designe o que não está sujeito ao tempo linear, à história) é já uma característica do digital, por definição e contraste com “analógico”. Ser “reloadable” é, portanto, um desenvolvimento da “digitalidade”.  É bom ser reloadable na vida? Acho que sim. Não guardar históricos, mas viver como um processo que não exatamente se esgota ou chega a um fim, mas que pode chegar a impasses que se resolvem zerando  tudo e recomeçando. Parece bom, não?

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E eu tenho a impressão que é exatamente aí que se dá o “conflito de gerações” hoje. Os jovens já parecem viver “ahistoricamente”, para horror dos mais velhos, de qualquer um com mais de 40 anos (não para mim, que como todo cartesiano, descreio da História). A parte estarmos todos em um momento de passagem que não projeta ainda nenhum futuro muito claro – o que significa que vivemos um presente mergulhado em incerteza – acho que essa  diferença não é meramente circunstancial, mas profunda porque está fundada na completa mudança de tecnologia por que passamos.

Falemos da imprensa. De Gutemberg até os computadores, muita coisa mudou, mas seguiu-se uma linha muito claro de desenvolvimento: trabalhava-se com papel e tinta com progressos crescentes, mas sem desvios. O computador não foi um desenvolvimento, foi uma ruptura. É outro mundo. Não há mais papel e a tinta é secundária.

E o que mais profunda e essencialmente mudou? Eu acredito que a percepção do tempo. O temp é cada vez menos linear. As coisas vão se despindo da fatalidade que o caráter inexorável do tempo linear lhes conferia. Parte do ar blasé dos joveus se deve também a uma percepção intuitiva desse “novo tempo”, mais maléavel, reloadable. Por outro lado, a ideia de identidade perde muito da sua força, da rigidez que antes a preservava. “Eu sou assim” é uma frase cada vez mais anacrônica.  Tenho a impressão que para os jovens ela já não faz muito sentido. Isso tem implicações negativas? Claro, como tudo. Se perdem a rigidez, também, por outro lado, também às vezes (ou quase sempre!) parece que a consistência vai junto: é a tal superficialidade de que reclamam os mais velhos (eu inclusive!). Mas, por favor, nada de assustador. Esse embate entre profundidade e superficialidade é insolúvel, porque as pessoas são e serão sempre muito, muito diversas e aquelas mais densas são e serão sempre uma minoria – e assim tem de ser! Ou seja: isso não é um problema! Isso é dá Vida, eu diria. Mas acrescento em seguida: só está um pouco pior – exatamente porque vivemos esse momento de passagem. De muitas passagens…

10 Comentários

  1. Foi a melhor descrição de idéia, da idéia no sentido platônico mais simples. Interessante é que aqui, neste texto, o percurso se faz da mente para a idéia e não da idéia para mente. Quero dizer, em Platão a idéia já está lá. Há um mundo das ideias e ele fala desse mundo. Aqui, Pawels/ bergier, descrevem como essas idiéias – ou melhor: a percepção delas – se dá em nossa mente, como elas brotam em nós, de dentro para fora.
    De modo algum, a hipótese do texto nega paltão ou o substitui. Na verdade, o complementa.
    A idéia como uma síntese mais do que mera representação. A idéia como romance ou poema e não como retrato. A idéia como uma passagem – foi isso mais ou menos o que entendi.
    Como ele fala do símbolo da espiral, lembrei deste quadro de Rembrandt: http://bit.ly/krtCT7

  2. Foi a melhor descrição de idéia, da idéia no sentido platônico mais simples. Interessante é que aqui, neste texto, o percurso se faz da mente para a idéia e não da idéia para mente. Quero dizer, em Platão a idéia já está lá. Há um mundo das ideias e ele fala desse mundo. Aqui, Pawels/ bergier, descrevem como essas idiéias – ou melhor: a percepção delas – se dá em nossa mente, como elas brotam em nós, de dentro para fora.
    De modo algum, a hipótese do texto nega paltão ou o substitui. Na verdade, o complementa.
    A idéia como uma síntese mais do que mera representação. A idéia como romance ou poema e não como retrato. A idéia como uma passagem – foi isso mais ou menos o que entendi.
    Como ele fala do símbolo da espiral, lembrei deste q

  3. Li o Despertar quando tinha vinte anos, nem me lembrava mais. Muito apropriada a leitura, teria muito a falar a respeito. Mas o mais importante agora é refletir.

    Obrigada por partilhar suas leituras.

  4. Gostaria de registrar a queixa de um aluno meu, feita exato ontem.
    Com o fim de elucidar o projeto de uma redação – cujo tema era a mediocridade, fui ter com Zigmund Bawman, que faz um grande painel apreciativo da modernidade. E, justo quando eu lia um excerto, esse aluno, o Miguel – ele é vestibulando de Direito- reclamou: “Tudo que eu leio, parece que a vida toda, é essa mesma ideia! Que leitura é essa? Existe outro jeito de pensar?”.
    El, depois, mencionou o surrado jeito de pensar, ou seja, o que quer que a ideologia venha depois da economia. Assim, explicando, por exemplo, o pensamento abolicionista que, de acordo com a tradição marxista, seria visto como consequência de uma necessidade da Inglaterra de tornar os homens livres para que comprassem as mercadorias de sua recente revolução industrial.
    Confesso que recorri às ideias aprendidas neste site. E, ainda que eu não saiba pensar de outro modo, também fui ”adestrada” na leitura marxista, ousei falar no Humanismo, o qual caminharia livre, independente de demandas econômicas.
    Sinceros obrigadas

  5. A expressão “na medida que rompe com a linearidade” resume o que eu quero dizer. De um modo geral, acho que pagamos o preço por mais de 100 anos de subordinação da filosofia à política. Teria sido o mesmo se as ciência exatas se subordinassem à religião(como é hoje na maioria dos países islâmicos). As exatas avançaram e as humanas ficaram para trás – ou melhor, andaram para trás. Pois, para justificar uma filosofia/ política que vê o indíviduo como mera expressão de uma coletividade qualquer, tem de reduzi-lo a uma irracionalidade indomável – ou só domável pela força (esse é o corolário político). Daí as tentativas de criar uma síntese de Marx e Freud, frankstein filosófico a que se tem dedicado a parte dominante da Academia. Resultado: tudo se resume a “soltar a franga” – o que se pode resultar em vôos galináceos.

  6. A sua ideia de diluição da identidade – seja cultural, ou…subjetiva – é bastante inédita ( não, em você que vem pensando nela há um bom tempo. Não é de hoje q a expressa aqui no Café). Se colocada a bom termo, fortalecerá milhares de possibilidades de reinvenção do comportamento humano, ou seja, aquele que dará asas – à liberdade?- a uma espécie de reconstrução – e revolução – permanente. Seja do indivíduo ou da humanidade. Nem é bem reconstrução, já que se faz por ineditismo; na medida que rompe com a linearidade.
    Zigmundo Bawman menciona a era da liquidez, mas faz isso com forte pessimismo. Seu pensamento ( seu*, de Antonio) me parece bastante rompedor.
    Pondero, para mim mesma, que a história só se presentifique incisiva, nas consequências mais devastadoras de um determinado ato. Por exemplo, na devastação duma mata nativa. Desconfio, no entanto, que, mesmo aí, essa ‘novidade de estar irremediavelmente – e mais – no instante, poderia dar rumos rápidos à condução da ciência.

  7. Ótimo programa de vida, concordo. Mas haveria energia psíquica p isso? Porque, quando se trata de alma, esta só se ajusta num processo psicanalítico ou religioso. Como recarregar? O ponto a ser pensado.
    Lavar as mágoas talvez fosse um bom começo.
    Acho, no entanto, que isso não se aplica à História, essa que se faz de acontecimentos do passado.
    Gostei muito dessa descoberta! Tipo assim: “Eu posso ser novo no já, desde que me recarregue”.

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