mitômano

“Mitômano”, ouvi alguém dizer de outro quando eu passava. Conheço o sentido da palavra, mas havia desprezo na voz e talvez por isso – porque me identifico com os desprezados, não sei se por piedade ou culpa – me tomei de simpatia pela palavra. Soa tão bem – “mitômano” – que para me certificar dos seus significados consultei o dicionário.

“1. Tendência a narrar extraordinárias aventuras imaginárias como sendo verdadeiras. 2. Hábito de mentir ou fantasiar desenfreadamente.”

Serei mitômano? Não tenho o hábito de mentir, nem conto como verdadeiras histórias imaginárias. Porque os fatos guardam sempre algo de extraordinário, basta prestar atenção. E quando conto, procuro usar com parcimônia os adjetivos e evito generalizações – essa outra forma de julgamento, mais pérfida, porque toma a repetição por evidência e se pretende imparcial e exata por isso. Também evito julgamentos que nada mais são que acusações.

É a beleza que procuro sempre. E acredito em tudo que me contam. Porque sei que há verdade em tudo. Enfim, não me preocupa se é real ou imaginária a aventura, me agarro ao que ela tem de extraordinária. Já ouvi de alguém que se dizia Jesus me narrar como, em companhia de Jane e Tarzan, transformou vinho barato em champanhe para comemorar o aniversário de Madame Satã. E já ouvi tantas histórias tristes também, tão tristes que eu no íntimo queria que fossem imaginárias. “Tente ver com outros olhos” é o que eu às vezes repito nessas horas, se o silêncio nos pesa demais.

E quem escreve “extraordinárias aventuras imaginárias como sendo verdadeiras” é mitômano? Escrever de algum modo nos redime ou nos cura? A mim, certamente. E não do mal de ser mitômano – escrevo crônicas e pequenos poemas e não romances, contos ou roteiros (ao menos não ainda!) – mas do mal de não saber viver com a necessária destreza – ou o necessário desprezo. E nem é que escrever me cure ou redima, mas me ameniza e consola. É minha maneira de estar comigo, é minha maneira de gostar de mim.

7 Comentários

  1. Este site,o Café, Laura, ou melhor, o dono do Café, é um caso agudo de mega escritice. Nunca vi um escritor tão escritor. Ele deve respirar escrevendo.
    E é mitômano ,sim! quando inventa a ideia de que – ele – ser escritor é ser mitômano.

    E é isso mesmo Ana Maria.

  2. “E quem escreve “extraordinárias aventuras imaginárias como sendo verdadeiras” é mitômano? ”

    Yo tengo entendido que a eso se le llama “escritor” ¿o me equivoco? 🙂

  3. Eu nao posso ver uma crônica maravilhosa sem deixar de expor que acho a crônica maravilhosa. E alinhavo o segte: para escrever crônicas há que haver legitimidade. O cronista nasce cronista, nao se fazem cronistas. E assim penso que nem todos que pensam escrever crônica fazem isso. O cronista nasce cronista ( repito) e para tal destino coopera um jeito de ser, de olhar. O cronista precisa ter ginga, maleabilidade, seriedade, lirismo. E ao mesmo tempo olhar todas essas qualidades com um desdém e tanto. E… se possível o cronista precisa ser jornalista, o mais investigativo e engraçado possível. Debochado também.
    Essas crônicas d Café são tudo isso. Legítimas crônicas, jamais falsificadas, estilosas. O cronista bom é um jazz man.

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