sobre o mal

{Numa sequência numérica, todos os números e combinações estão em Deus. Haverá combinações mais prováveis que tendem a se repetir e outras mais incomuns, raras ou mesmo únicas.

A ação da inteligência pode ordenar – ou perceber ordenações, visto que tudo já está posto como possível. Ordenações coerentes, mas incomuns e mesmo improváveis. A inteligência é capaz de alterar o Mundo. E não há nisso nenhum Mal se respeitamos aquilo que é em cada coisa, aquilo que é cada coisa.}

“O mal não cria, mas ordena”. O que quero dizer com isso? Que o Mal é capaz de agir sobre o Mundo, empurrando para ordenações possíveis mas indesejáveis: esteticamente feias, eticamente ofensivas, juridicamente ilegais, afetivamente imperdoáveis – e por aí vai.

O que é o Mal? O Mal é o erro deliberado.

Conclusão que extraio da máxima de Cristo perfeitamente alinhada com a lógica de Aristóteles: “que teu sim seja sim e que teu não seja não. Tudo mais vem do Maligno”.

Errar deliberadamente é dizer que “o que é, não é” ou que “o que não é, é” – obviamente sabendo que o verdadeiro é exatamente o contrário. Simples assim. E todo mundo sabe disso. O erro não deliberado, aquele atribuivel à falibilidade humana, esse pode ser compreendido e perdoado. Mas o erro deliberado é imperdoável.

O Mal não é uma simples combinação errada de elementos, um erro não-intencional, um engano. O mal é o erro intencional. É a imposição de uma vontade particular sobre a mera continuidade da Vida, por si só finita.

4 Comentários

  1. Meu amigo Waldemar Mendonça Reis tentou postar o comentário que segue, mas não conseguiu e acabou por me mandá-lo por e-mail. Não posso, no entanto, deixar de compartilhá-lo com todos que porventura venham a ler este post. Segue então o comentário de Waldemar:

    “A nossa questão de sempre: o bem não é escolha. É espécie de ponto magnético para que somos voltamos como agulhas em bússolas, creio mesmo que desde antes de nos darem à luz. Representa ele toda sorte de proveitos que obtemos ou supomos obter de nossos atos voluntários – e eu seria capaz de arriscar, dos involuntários também: o bem é signo da imposição de permanecer (de sobreviver?) e se associa a tudo quanto julgamos favorecê-la, tudo quanto parece prometer a permanência maior do indivíduo na finitude; ou, em outros termos, seria a suposição da infinitude a despeito da consciência de que se fina. Questão crucial aqui, então, seria saber se é possível ação cuja meta não seja algum proveito (algum bem, por conseguinte).

    Por conseguinte, o mal só pode resultar de algum erro: é o “cuidando alcançar assim o bem…, fui mau, mas fui castigado” que Camões deixou registrado. É certo que o mal produzido pelo poeta o foi de vontade, visto ele saber de antemão que o bem a ser alcançado era “tão mal ordenado”, o “mar de contentamentos” em que nadam os maus. Mas ainda assim houve engano, o de supor haver nesse mar algo a contentá-lo também – e quiçá o houvesse de fato, caso chegasse ele lá, como almejara.

    Doutro lado, não parece haver mal para o quanto supomos não dispor de consciência. Um vulcão, por exemplo: teria ficado a montanha infeliz ao ter decepado o seu topo na explosão de lava e cinzas? Talvez os animais – e, para alguns naturalistas, os vegetais – das redondezas tenham julgado e classificado o cataclismo, ainda que no átimo final, em meio ao quanto em suas vidas chamaram de mal: isso supomos quando temos como hipótese haver consciências animais e vegetais; sem tal, só mesmo humanos, caso estivessem por perto, sentiriam a fisgada do maligno no momento do choque.

    E o bem de uma consciência nem sempre é o bem de outra: por isso o “bem tão mal ordenado”, em Camões; por isso foi ele mau, mau para alguém, enquanto para si mesmo buscava somente o melhor. O castigo do poeta é o indício clássico de que o bem de um indivíduo por vezes difere do bem de um outro, é a manifestação – talvez a mais radical – de desagrado (desagrado com desagravo). Talvez seja também – a punição – a única maneira de fazer ver a quem busca obter um bem à custa do bem alheio o custo do que deseja: é quando este outro tem de mostrar – ainda que contra a vontade – que, do modo como as coisas se conduziram, o seu bem não é o mesmo do primeiro, que o confrontou.

    Mas a busca de um bem no mal alheio não parece ser situação comezinha: observe-se que mesmo o castigo, de per se recíproca, é exemplo de que o embate de bens incompatíveis tornou-se emergência. Creio que ninguém (nenhuma consciência) atenta contra outrem (contra outra) sem sentir-se premido, sem ter julgado ameaçado o seu próprio bem. É claro, poderia não castigar, mas trazer o outro à luz por intermédio de algo bom. Mas nem sempre tal é oportuno, nem sempre se tem a clareza bastante para se desfazer de um mal com o recurso a um bem maior, um bem partilhado também por quem produziu a ofensa.

    O fato de haver tantos maus conscientes do que produzem, no meu entender, talvez seja indício de que no mundo haja descompassos (‘desconcertos’ segundo o poeta), se não imperceptíveis, ao menos intangíveis ou que não queremos tanger (por temer alguma sorte de desconforto). Como resultado tem-se quem se vê ofendido recorrer oportunamente ao que lhe está disponível para livrar-se do descômodo. E daí a enxurrada geral de atos negativos.

    Enfim, o mal parece resultar sempre da ignorância e, o pior, da ignorância de que se é ignorante, espiral que parece não ter fim. Creio não ter sido infundado o perdão a Tomé, a Pedro e mesmo – se não me engano – a Judas (foi ele próprio quem não se perdoou): foram vítimas da ignorância. Somos vítimas permanentes da ignorância, sendo a prova clássica disto, em nossa cultura, o perdão cristão aos que se arrependem de (na) última hora. Também os ‘harekrishnas’ têm a promessa de ir para o mundo de Krishna por entoarem esse mantra, mesmo que na hora da morte; e, se não estou errado, os que crêem em Brahma estão certos de escapar para sempre da roda do karma (a roda do infortúnio?) quando, a qualquer momento, se convencem (com inteira sinceridade, portanto), de serem apenas parte do sonho desse deus.

    O perdão – a tolerância – parece ser o único anteparo em face do mal. Será este um caminho para compreender o ‘sei que não sei’ socrático? E o que dizer do ‘sei que sei’, definição de consciência que Hintikka atribui a Descartes?”

  2. Hordas de pessoas podem fazer/levar o mal, sendo boas. A consciência é pra poucos, é coisa de muito luxo.
    Esse é um pensamento reincidente que me leva a desculpar todo mundo e desconfio de que também me leve a olhar por cima, feito dissesse: não sabem o que fazem.
    Isso Jesus podia dizer, mas não eu.
    Há vícios no pensamento. Vivificá-lo é uma tarefa à qual venho me dedicando.

  3. Obter a clareza para distinguir o que é mal é estado luxuoso, custoso de adquirir. Só se sabe o que é mal no estado de lucidez.

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