Sim, sim: as rugas. A velhice. A morte no horizonte. A percepção integral da solidão intrínseca e definidora de nossa humanidade. A equidistância momentânea entre o passado e o futuro: hoje eu posso dizer que fui ou sou algo, aquém dos meus sonhos e fantasias, imperfeito, sim, mas singular – singularíssimo e irrelevante, enfim.
Mergulho nessa massa que é o “meu passado”, a “minha história”, agora, neste momento equidistante, liberto de toda intencionalidade que a “presença de um futuro”, ou melhor, de uma “expectativa de futuro”, produzia – pois, na verdade, olhando daqui, deste momento equidistante – que é de fato a metade da minha vida ou até menos, porque não espero viver até os 108 anos! – olhando daqui o que vejo é um largo horizonte (como aqueles de Brasilia….) e nenhum futuro: eu já sou o futuro, eu já sou algo.
Eu diria que, a partir deste momento equidistante – que para todos chega, de uma maneira ou de outra, para o bem ou para o mal – o futuro, o devir, já não é “para frente”, mas “para dentro”.
É nesse sentido que eu digo que estou livre, livre com sempre fui, para ser o que sou, na integralidade das minhas carências, defeitos e perdas, sem a preocupação sequer de melhorar, mudar, ou qualquer outra ideia que projete um “para frente”. Eu já sou o meu futuro – e essa frase resume o que eu chamo de “genuíno presente”. Posso então embrenhar-me no meu passado, ou melhor ainda, na minha história.
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Finalmente, o tempo vivido ganhou consistência, substância. E é de tempo que as coisas são feitas.
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Falei da nossa absoluta singularidade – ainda que, no sentido cósmico, essa singularidade seja meramente numérica, como a singularidade de um palito de fósforos dentro de uma caixa cheia de outros fósforos – nossa singularidade e nossa irrelevância cósmica. O corolário trágico dessa nossa exuberante singularidade é obviamente não essa irrelevância (que apenas ofende aos egos mais frágeis…) mas a solidão que dela se depreende. Eu costumo dizer que a solidão é a marca de Deus em nós.
Por outro lado, esse “momento equidistante” de que falo é ou pode ser o momento em que esta irrelevante singularidade diz para si mesma: “Eu Sou O Que Sou”. E então nesse momento a irrelevante singularidade renasce, às Portas do Infinito: e já não diz apenas “Eu sou um”, mas “Eu sou Um”.
Cecilia e eu falavamos justamente sobre isso na tarde de ontem: completude.