ode à geladeira

Minha geladeira suspira a cada vez que lhe abro o congelador. Talvez porque o congelador seja um compartimento mais íntimo, onde se guardam as coisas que mais se quer conservar. Não sei… O que sei é que vivemos, eu e minha geladeira, um caso de amor. Frio, é claro, silencioso – mas intenso. Ela é nova – o que sempre depõe a favor de tudo. Bonita. Eficiente. Discreta. O que mais se pode esperar de um amor? Sim, já disse, que ele nos conserve, que se preocupe em manter bem guardado no seu íntimo aquilo que mais queremos que dure. E, sim, devo confessar: que nos sirva. Não, melhor, mais prudente, dizer ” que me sirva”, evitando tornar o leitor – e o gênero humano! – cúmplice de minhas impressões e desejos, por definição, ambíguos, como convém a impressões e desejos. E ela me serve deliciosamente, mantendo a temperatura certa do que me dá de comer e conservando sem ciúmes o que ainda precisará de tempero e fogo para virar comida.  Suspirante e sem ciúmes, ela está lá, à espera.

* * *

E quando eu a abro à noite,  ela se ilumina toda, se expondo sem pudores. Tão fácil é então encontrar o que quero, mesmo no escuro…

6 Comentários

  1. Você tem um jeito (único) de transformar o banal em poesia.. Um dom, e que dom.!
    E que Deus me salve do meu banal. Enquanto isso.. só me resta suspirar.

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