apagão

Hoje à tarde ficamos sem energia por mais de duas horas em vários bairros do Rio.

É nessas horas que a gente vê como são fiéis os livros.
Como são fiéis o papel e o lápis se temos deles um estoque adequado.
É nessas horas que percebemos o valor das frutas secas, dos grãos, das conservas e compotas.
E a importância da água correndo monótona e límpida no fundo da casa.

É nessa horas que a gente sente como é bom ter um gato, um cão, um cavalo. Uma bicicleta.
A importância de vizinhos amistosos. De uma arma. De uma musculatura eficaz. De uma oração cheia de fé.

É nessas horas que de súbito descobrirmos o quanto é inútil tudo de que hoje depende nossa vida, tudo que está literalmente por um fio – ou já nem isso.
O quanto é inútil tudo que não dependa exclusivamente de nossa força – muscular e espiritual.

É nessas horas em que o véu cai subitamente que as trevas se desvelam evidentes.
Encarcerados em nossas celas empilhadas aguardamos que nosso Senhor invisível – que não é Deus – e que detém a luz que escolhemos possuir nos restitua nossa vida, nosso cotidiano de ilusões.

É nessas horas, quando não nos resta senão ler, escrever e conversar –
quando nada nos resta senão livros reais, papel e lápis reais, pessoas reais –
é nessa hora que nos damos conta da nossa solidão.

Há quem tenha livros, papel e lápis, bons vizinhos, amigos e amores.
Sua solidão não é vazia.
Há desses, certamente.

É nessas horas que temos certeza da verdadeira medida da vida.
A medida da vida é amor. O amor que conserva livros e cultiva vizinhos, amigos e amores.
O amor – é nessas horas que nos damos conta da sua falta.

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