Sobrancelhas

A esta distância e sem óculos não consigo presumir a idade da mulher – o que contribui para tornar a imagem tão abstrata e universal como um quadro de Hopper. Ela está na janela aproveitando-se de uma nesga de sol para fazer as sobrancelhas com uma pinça. Segura um pequeno espelho à frente do rosto e com movimentos quase imperceptíveis -mas precisos e inconfundíveis – vai arrancando pelos que talvez só ela veja – ou outra mulher veria. Trabalha com a paci?ncia e a minúcia dos artistas. Esculpe-se.

Enquanto escrevia, deu-se por satisfeita e saiu da janela.

Nao é a primeira vez que a flagro nessa atividade tão antiga e feminina. Lembra-me minha mãe quando era ainda moça e eu menino. Ou minhas tias e minhas primas mais velhas… “Fazer as sobrancelhas”. Isso era coisa comum e regular, ora quase secreta e íntima, ora coletiva com as mulheres cuidando uma das outras numa especie de ritual alegre e febril – ainda mais se era sábado!

O mundo muda, casas antigas e quietas dão lugar a prédios, tudo vai se tornando mais e mais incrível ou terrível. Fala-se até de uma imortalidade futura sem Deus e metafisica, obra pura da ciência. Mas antes disso certamente virá um robozinho que faça sobrancelhas. Ou algum remédio que as impeça de crescer ou, melhor até: as faça crescer em formatos determinados rapida e precisamente. Pois a imaginação e a vaidade andam juntas: uma segura o espelho a outra manobra a pinça…

Eu, da minha parte, aguardo uma máquina que me corte as unhas das mãos e dos pés – como me fazia minha mãe quando eu era menino e ainda não sabia manobrar a tesoura.

Claro, há a manicure que hoje em dia também está na barbearias. Meu problema é outro: não me sinto bem naquela pose de gangster de subúrbio. Ao menos até que a necessidade estrangule essas fantasias juvenis.