Viajar é uma festa para os olhos. Tanto que só agora lembrei de comprar uma câmera. Não queria perder tempo com fotos, queria meus olhos tão intensamente atentos que fossem como prismas amplificando a luz para gravar em mim o que viam - lâmina esculpindo pedra. Pretensão de quem escreve de querer só contar com a memória ou pânico de uma natureza tímida,a verdade é que sempre achei que a fotografia rouba a espontaneidade do presente e o transforma, em nome do futuro, numa espécie de passado precoce.
Mas a câmera que comprei é mínima, cabe na palma da mão. E dentro do bolso - o que é ainda melhor. Discretíssima, rápida,ela pode ser sacada repentinamente a qualquer instante - como um caderno de notas visuais.
Comprei numa loja onde todos são judeus ortodoxos de quipá e trancinhas. E isso é engraçado: são iconoclastas - o judaísmo condena a adoracão de imagens - tocando um templo da iconografia moderna, todo ele dedicado a producão e reproducão de imagens.
E quando digo templo, não é metáfora: as mercadorias compradas nos incontáveis balcões espalhados pela loja imensa circulam em cestinhas que correm em trilhos presos no teto, numa espécie de teleférico que as conduz todas para uma única sessão próxima da saída onde elas nos são entregues depois de pagas - um esquema de circulacão que faz da loja uma linha de montagem de vendas, uma verdadeira máquina de fazer dinheiro e que qualquer leitor de Borges ou Umberto Eco facilmente associaria a Cabala e a Árvore da Vida.
Já saí de lá com a máquina carregada, cheio de filmes no bolso, fotografando tudo que me aparecia na frente. Me movia com a desenvoltura de um cachorro feliz, os olhos farejando cenas, figuras, ângulos inusitados da paisagem. A máquina não competia com o olho - era antes um acessório seu, como os óculos ou o espelho. As fotos como notas visuais... Imagens que depois irão suscitar palavras que as descreverão de incontáveis maneiras distintas em todas as línguas possíveis - e então é de novo o infinito nos surpreendendo oculto numa ínfima foto de viagem.