28 de agosto de 2000
Na casa dos 40

O Rio à noite visto da ponte é deslumbrante. Na ponte vazia voltando de Niterói, bem tarde, dá de andar devagar, vendo a cidade debruçada sobre o mar, mansa e lúcida, em seu morse de luz respondendo ao céu salpicado de estrelas. Olhando assim, de longe, como se a cidade fosse uma imensa miniatura, monumental e quase vazia, daqui quase dá de pensar que certas histórias não são mais que pesadelos, irreais sonhos maus - e só.

Por que o poder parece tomado pelos piores? Será inveja, rancor meu ou é o que diz Primo Levi - "só os piores sobrevivem"? Por que afinal existe tanta miséria ainda? Vendemos tudo, nos endividamos muito e todos ainda parecem pobres. E mais brutos. Vive-se melhor? Certamente.

A conquista de uma moeda tem quase o valor de um sobrenome. Os que duvidam dizem que pagamos caro demais. Quem tem fé afirma que logo veremos. E assim, pessimistas do presente mas cheios de esperanças futuras vamos seguindo desde sempre, numa complacência cada vez mais unânime.

Não era a este ponto que queríamos chegar, não era para aqui que pensávamos vir. Mas veja onde chegamos: contentes com que nos concedam um crediário. Cada vez mais o único gesto de revolta será morrer deixando dívidas.

Quem está por agora na casa dos 40 em algum momento acreditou que, de um modo ou de outro, o porvir seria o advento da fraternidade - que alcançaríamos - por magia ou milagre - do veemente não que é um apelo à vida que ensaiávamos dizer. Não veio. O que era pra ser um direito, virou um serviço. Privatizado. O que era pra ser uma questão ética, se reduziu a um acerto de contas. Não mais cidadão, mas consumidor. Ou melhor, uma cidadania definida pelo consumo.

A fraternidade não veio. Porque antes tivemos que decidir entre liberdade e igualdade. Entre individual e coletivo. O que deve vir primeiro? A liberdade, acho eu. Só quando o sujeito se reconhece livre é que ele reconhece o outro como igual. Se ele não se vê como alguém verá igualmente a todos como ninguém. É por isso que "eles" nos matam.

A tortura ainda é uma prática cotidiana. Onde estão os padres, os evangélicos, as ONGs, os torturados da ditadura? "Tortura nunca mais" era o lema.

Em uma democracia o bem supremo é a liberdade. O "fim do comunismo" não significa o fim da idéia de igualdade. Significa que não se pode crer na construção de uma sociedade mais justa sacrificando a liberdade individual.