7 de maio de 2001
A estréia de Maria Clara no Céu

Quem chegava no teatro do Tablado na terça-feira, dia 1, podia muito bem ficar na dúvida se o que acontecia era mesmo uma despedida ou se era na verdade uma estréia. No palco, delicadamente iluminado de azul, estavam a baleia azul de Jonas, o cavalinho azul, um baú cheio de roupas e apetrechos e uma escada, onde no alto alguém colocou um poster de Maria Clara Machado no papel de Maude, em Ensina-me a Viver. Esse era o cenário e certamente lá estavam também, só que invisíveis, Pluft, o fantasminha e a Bruxinha que era boa.

Não é preciso ser muito perspicaz para reparar que tudo sugeria céu, subida, viagem - impressão que a trilha musical que tocava de fundo reforçava ainda mais:"O trem vai parar em Tribobó City...".

A platéia estava lotada de jovens, a maioria alunos e ex-alunos do Tablado e mal se podia reparar tristeza neles. Acho mesmo que no íntimo de cada um deles, lá onde eles são agora puro vigor e esperança, aquilo tudo não era mesmo uma despedida, mas uma estréia: a estréia de Maria Clara Machado no Céu.

De quem terá sido o cenário? Não dúvido que tenha sido de Cacá, mas pode muito bem ter sido idéia do Fernando, do Cadu, da Guida, da Sura, do Pedro, da Debi, da Dani - ou de tantos outros ou de todos juntos, num exercício de improviso coletivo e espontâneo.

O figurino de Maria Clara não podia mesmo ser outro: ela que ensinou tanta gente a viver - o depoimento nos jornais mais comovente foi do Ivan de Albuquerque, que de professor de filosofia em busca de aulas de dicção, acabou virando ator pelas mãos de Maria Clara - só podia mesmo entrar no Céu vestida de Maude.

E, é claro, ao chegar lá, há de encontrar o palco pronto, mais ou menos como aqui, com todos os seus personagens à espera. Porque personagem também existe! Basta só pensar: quanta gente, ao longo de todos esses anos pelo mundo afora, já não foi Pluft, por exemplo? E quanta gente na platéia já não o amou intensa e verdadeiramente durante aquela horinha de uma vida toda que dura a peça? Todo esse amor - de atores que representam e das crianças encantadas na plaéia - já não será o bastante para dar a Pluft e a qualquer personagem uma alma?

Nesse caso então, não há dúvida que Maria Clara foi uma fábrica de almas. E não é difícil imaginá-la chegando no Céu já escoltada por uma troupe de anjos próprios que são seus personagens, projetos de almas que ela criou para que atores lhes fossem dando vida aos poucos até que viraassem isso, companheiros de sonho de tantas gerações, anjos bizarros no Céu porque criados pelo que de divino há em todos nós: imaginação, amor, vontade.

Qual o texto da estréia de Maria Clara no Céu até ficaria bem eu dizer que não estou autorizado a contar, é supresa que cada um vai poder um dia descobrir, porque peça de Maria Clara é sucesso de ficar uma eternidade em cartaz. Ou melhor, só vai descobrir quem for bom o bastante pra ir parar no mesmo Céu de Maria Clara - o Céu dos que escolheram se doar nesta vida à felicidade dos outros.

Bom, eu falava do texto, que eu bem podia fingir que o conheço, mas não estaria autorizado a contar... Só que não vou arriscar meu ingresso com uma metirinha vaidosa. A verdade é que eu não sei... Desconfio que será um grande improviso, com ela e seus personagens fazendo almas, anjos - e o próprio Deus! - rolarem nas nuvens de tanto rir das suas lembranças de gente nesta terra de doidos tão intensos, na beleza ou na estupidez, na compaixão ou no egoísmo.

E Deus há de rir tanto que Maria Clara é até capaz de convencê-lo a fazer uma ponta de Papai Noel em sua peça. E Ele, uma vez no palco, haverá de concluir que, apesar de muitos darem em senador, valeu a pena ter criado a gente...