Foi muita gentileza da mangueira - me atirar uma carlotinha madura, cheirosa... Me senti bem-vindo, acolhido, no banco do parque, só com os pássaros à sombra, a ouvi-los tantos e tão secretos e vê-los tão humanos, em bando, ciscando silenciosos...
Durante todo tempo acreditei que em algum momento ocorreria um milagre, que o senhor convidaria também o servo preguiçoso que nem sequer lhe devolveu o talento, mas dissipou-o. Acreditei - e este é o aspecto nobre - sem nenhuma razão ou contra toda a razão. No âmago do coração amargo o minúsculo espelho refletia o sol e enviava uma resposta às estrelas.
Quando leio toda essa ênfase na economia, a minha impressão é que, ao contrário, as pessoas se contentariam com muito pouco. Um mínimo de conforto, segurança na velhice e tempo para gastar. Sem aporrinhações. Não vejo o homem querendo muito. Nosso ímpeto cultural e gregário nos faz tender à acomodação, ao acerto das diferenças, à promiscuidade mesmo. Acho isso muito bom.
Há, no entanto, a guerra. Aí, a minha perplexidade é mesma do protagonista de Além da Linha Vermelha: por quê? Imagino que, no começo, era a "lei do mais forte". E quem tem as armas é o mais forte. O império da justiça advém quando a lei do mais forte é abolida e implanta-se o poder dos iguais. Que, no entanto, precisa defender-se dos que se pretendam tiranos - e então, de novo, às armas... E assim tem sido.
Talvez por isso alguns historiadores expliquem a guerra pela existência de guerreiros. É tautológico, mas não deixa de ter sentido. Na verdade, a questão é: é possível aboli-los?
Um exército profissional submetido ao poder civil e que se mantém fora da vida política, é um ganho americano. Nunca houve golpe de estado nos EUA até hoje. Os direitos civis jamais foram abolidos. Isto não é um juízo. É um fato histórico. Eu, sim, julgo que isto é uma cesta de três pontos... Claro, esse exército pode ser muito mal conduzido. Isso é outra história que remete à competência do Executivo. E é o que torna o momento que eles vivem preocupante.
Bush não inspirava confiança nem nos americanos e agora estamos nisso: há mais de mil pessoas presas incomunicáveis só nos EUA, já se fala em tortura como "método investigativo" e metidos todos numa guerra sem resultados contra um inimigo de quem sequer sabemos o nome ou o propósito. Quem jogou os aviões contra as torres? Quem enviou as cartas com antraz? Ninguém sabe, ninguém diz, ninguém assume e explica. Nada. Isso é loucura. Literalmente. Tem um rinoceronte na sala. E as bombas estão caindo lá fora. É o Horror.
A ausência do poder civil - encarnada no olhar de mico de realejo de Bush e expressa no fato de o único civil confiável ser um ex-general - faz prevalecer o argumento militar. Que tem se conduzido com que propósito? É claro que os estrategistas do Pentágono sabem que esquentar o tempo no Afeganistão é correr o risco de fazer estourar de novo a questão da Cachemira entre indianos e paquistaneses. E foi para essa guerra que os dois países se armaram até de bomba atômica.
Aqui, na América do Sul, estão querendo fazer a mesma coisa: esquentar o tempo. O problema é que não interessa ao Brasil a associação das idéias de terrorismo e tráfico de drogas. Isso politiza a boca e transforma combate policial do tráfico em guerra civil. Não nos interessa essa guerra, ainda mais sob esse viés. Já basta a Colômbia.
É uma loucura que morram mais pessoas no dito combate à droga do que por consumo excessivo de drogas. Ou que se gaste muito mais dinheiro no dito combate do que se gastaria na recuperação de viciados. Minha opinião: cocaína é produto farmacêutico e maconha quem quiser que plante em casa. E ponto. Viciados, a sociedade trata. Cometeu alguma infração ou crime em "estado alterado"? É agravante. E ponto final.
Acabaria de vez e de uma só penada com toda essa ladainha diária de troca de tiros, bala perdida, favela associada à boca de fumo. Claro, o Estado tem de entrar com investimento pra suprir a súbita perda da renda das bocas nas favelas. Só isso. Mas não falta o que fazer nos morros: ruas, esgotos, luz, substituição de barracos por pequenos prédios. Há trabalho de sobra.
Droga é um problema familiar, psicológico, médico. Mas jamais jurídico, policial. Por outro lado, não vejo nenhum impedimento moral para que a Bayer desenvolva um "euforizante" seguro para os fins de semana. Qual o problema? Se tem pra dormir, por que não pode ter pra acordar? Claro, como sempre alguém vai argumentar com os viciados. São um caso médico. Mas, se fosse para legislar, não faz sentido criar uma lei que proíbe o consumo geral para proteger uma minoria. Seria o mesmo que proibir a produção e o consumo de bombons para combater a obesidade.
Aceitar a associação de ideias "terrorismo = tráfico" é comprar uma briga que não é nossa. A última vez que se brincou com isso, pariu-se o Comando Vermelho - de que todas essas novas facções são origem.
Se eles têm problemas com drogas, o problema é deles. Nossos problemas são fome, miséria, falta de escolas, de casas. E, sobretudo, de justiça. Hoje, numa cidade como o Rio, o cara da classe C, que trabalha oito horas e passa pelo menos mais três dentro de um ônibus lotado, ainda se arrisca a ser esculachado ou pela polícia ou pelo bandido quando chega em casa. O sujeito tem que andar de cabeça baixa na própria rua... É brincadeira...
E digo mais: todo esse papo de combate às drogas é falso. Ninguém quer acabar com o tráfico: nem o bandido, porque ganha, nem a polícia que na corrupção completa o seu salário, nem o Estado, porque o tráfico injeta renda na favela que se faltasse alguém teria de cobrir, nem o banqueiro, porque lava o dinheiro, nem o político, porque tem aí uma bandeira, isto é, uma fonte de arrecadação. E nem a tal de "sociedade", porque isso significaria tratar a canalhada feito gente, dividir com mais igualdade os impostos, aumentar o salário da polícia, do professor, do médico e acabar com a a mamada dos assessores, dos salários e aposentadorias milionárias, das fraudes. Vê se aparece alguém a fim de abraçar favela? Só lagoa, malandro...