16 de abril de 2001
Um pretinho de sinal

Que a avenida se chame Princesa Isabel já é uma ironia. Só faltava ser 13 de maio - a data, porque se fosse a rua, o engarrafamento seria igual. Primeira, segunda, ponto morto. E nem adianta ligar o rádio: Hora do Brasil. Primeira, segunda, ponto morto. Lá vem mais um pretinho de sinal. Só que esse é pretinho mesmo, de camisa do Flamengo e tudo. Um vidro fechado, dois, três - e eu, de vidro aberto.

"Tira essa camisa, rapaz...".
"Já vi que o senhor é vascaíno..."
"Eu não!"
"Então é botafoguense..."
"Mas não espalha..."
"Quer uma pastilha?".

Era uma dessas pastilhas de hortelã, quadradinhas, antigas como a Hora do Brasil e um pretinho de sinal com a camisa do Flamengo. Procurei no console umas moedas. Sempre guardo moedas no console para ir distribuindo nos sinais. Não tinha.

Quando olhei de volta o pretinho estava encostado na porta, o rosto quase colado no meu, os olhos vermelhos de cansaço. Sorria como se tivesse gostado de mim. E certamente gostara de encontrar abrigo na atenção que lhe dava. Ficou ali, parado, me olhando... Agora, assim de improviso, não saberia descrever o que vi nos olhos do menino. Cansaço, certamente. Mas uma estranha, inesperada calma, a calma de quem tão novo já aprendera a esperar - sem mágoa, sem ansiedade, sem desejo quase - o instante seguinte. Havia, acho, essa terna sabedoria naquele olhar direto e fixo, mas acolhedor, amoroso mesmo.

"Está cansado? Parece..."
"Mais ou menos..."

Eu me sentia embaraçado com a proximidade do menino. Não era por medo: ando de janela aberta o tempo todo, falo com qualquer um que me apareça e, se não tiver grana, dou, ao menos, papo, que é de graça. Também paro em todos os sinais a qualquer hora do dia ou da noite. Em quase todos, pra ser honesto, que também não ando dando mole por aí... Mas era o olhar do menino que me inquietava. Ele queria carinho. Dar e recber carinho.

"Foi à escola hoje?"
"Fui."
Bom, pelo menos não andava por aí, mais solto que aspas em final de frase...
"E depois veio pra cá?"
"É..."
"Você mora por aqui?", e apontei vagamente para o Leme, onde há uma favela.
"Não."
"Onde você mora?"
"Austin", ele disse, em inglês, paroxítono!
Austin, como Paris, não fica no Texas, mas é tão longe quanto.
"Pô, que horas você acorda?"
"Às sete, pra chegar na escola às oito."
"E a que horas você sai?"
"Meio-dia".
"E depois vem pra cá..."
"É..."

Meio sem jeito por causa do cinto, passei a mão no rosto dele. Se o sinal não abrisse, acho que ficaríamos um bom tempo os dois, olho no olho, nessa entrevista. Como nunca fui bom repórter, esqueci de perguntar o nome dele. Hoje devo passar por lá de novo. Vou perguntar. Aproveito e compro também umas pastilhas.