São sete da manhã de quinta-feira e um engraçadinho passa na rua assoviando o hino do Corinthians. Desafinado, mas cheio de alegria. Flamenguista, talvez, num estado de "felicidade negativa" que comemora não a própria vitória, mas a derrota alheia. São as tais "coisas do futebol" que falam mais da alma humana do que muito tratado de psicologia. A desgraça dos outros a uns diverte ou consola, segundo graus diversos de cinismo, eis o resumo.
Até por isso, alguém deveria avisar ao Galvão Bueno que toda partida de futebol é trágica. Não precisa, portanto, ele ficar repetindo a toda hora que "será" uma partida trágica. Já é. Sempre. Ou deveria ser. Se não for, o espectador troca de canal e vai ver outra coisa - que seja trágica: Show do Milhão, Programa do Ratinho ou um filmezinho qualquer.
Porque é a tragédia que o sujeito procura com olhos ávidos nos jornais, nas TVs, nas rádios, nas conversas de botequim, nas frestas da janela, por detrás das cortinas. Não digo todos porque há os felizes. Diria, então: todos, menos os felizes procuram tragédias com olhos ávidos.
Enfim, se não fosse pela tragédia, em vez de Corinthians e Fluminense, a TV transmitiria uma partida de xadrez. (Você, leitor, num desses parênteses para o cigarro ou o café, pode imaginar o Galvão narrando uma partida de xadrez, com Jorginho Guinle comentando os reis e rainhas, Dom Eugênio Salles os bispos e Lula os peões?)
Mas, de todas as imagens trágicas do jogo de ontem, ficou na minha memória um carrinho. Eu tenho para mim que o carrinho só não foi ainda banido do futebol por causa do nome. Só por ironia alguém pode chamar de carrinho àquelas travas afiadas deslizando num rasante em direção ao tornozelo do adversário. O nome daquilo deveria ser, sei lá - escopeta? "Fulano entrou de escopeta" diz muito melhor o que é do que o singelo e infantil "Fulano entrou de carrinho". Ontem, em câmara lenta, dava pra ver a perna do jogador, na altura do tornozelo, dobrando como se tivesse partido. Qualquer um que já tenha batido uma bola ou simplesmente torcido o pé, pôde sentir a dor só de ver a cena. Nem importa mais lembrar o nome dos protagonistas. Importa a imagem. E a dor.
Das muitas reformas que FHC ficou devendo, incluo a reforma do futebol. O Brasil só vai dar certo no dia em que tiver um campeonato nacional que dê lucro e o torcedor entenda. Um campeonato onde o craque seja a estrela e o carrinho (ou escopeta) dê expulsão e até cadeia. Pateta ou semideus, o jogador é um trabalhador como outro qualquer, com direito a carteira assinada, descanso remunerado, décimo-terceiro e férias. Se jogasse seis vezes por mês, onze meses por ano, seriam 66 partidas. Quantidade suficiente para se organizar campeonatos e torneios em que todos os grandes clubes se enfrentassem, ao menos, uma vez por ano. É só fazer as contas. Como aqui, na Tribuna, quem entende de futebol é o Assaf, passo a bola pra ele, mas tenho a certeza que a jogada é boa. Vai, Assaf!!