"Tomara que a Gisele Bünchen
não me ligue hoje."
É, tem dias assim, em que tudo que eu peço é
que a Gisele Bünchen não me ligue - não
hoje, esta noite, convidando pra sair, porque, por acaso,
ela leu uma crônica minha e achou comovente e engraçada,
e riu de gargalhar ao mesmo tempo em que rolava uma lágrima
discreta - ou foi só um quentinho nos olhos? Ela nem
lembra, foi tudo muito rápido e feliz...
"É por isso que
eu liguei....", ela diz, "Porque pensei que você
deve ser um cara muito interessante..." - e eu do outro
lado, caladão, sem jeito, suando em bicas, sem saber
se rio ou se choro, se rio ou se mar, se rio ou se nova iorque.
Pois é, tenho dias assim...
Dias que são noites,
noites glaciais que às vezes se estendem por semanas.
E tudo que eu peço nesses dias é que a Gisele
Bünchen não me ligue de repente.
Claro, as chances são mínimas, ínfimas,
desprezíveis. Mas é bom não arriscar...
Por isso, eu nem vou atender o telefone. Pode ser ela e eu não saberia o que dizer e acabaria até sendo grosseiro, sei lá, dizendo qualquer coisa do tipo "Eu também acho você o maior tesão", e ela do outro lado imediatamente interpretaria o "também" ainda pior do que o "tesão" - e aí, claro, diria, como dizem as mulheres em meus pesadelos: "Acho que você não está entendendo bem" - que é a frase que mais me ofende nesta vida, a mim que me esforço exatamente para isso, para entender bem - o que me falta quase sempre é jeito para explicar (mas acho até que já melhorei muito nos últimos vinte anos: já escrevo até crônicas!).
Portanto, melhor nem atender o telefone. Eu acabaria brigando com a Gisele. Pra ser sincero, acho que brigaria com qualquer um que me ligasse agora e me pegasse assim, agressivo e melancólico ao mesmo tempo. Brigaria, sim - mais por inabilidade do que por raiva. Mais por não saber dizer do que revolta. Desculpe, Gisele, mas vou deixar a secretária atendendo logo no terceiro toque. E sem som nenhum, para eu nem escutar sua voz gravando o recado:
"Oi, Antonio, aqui é a Gisele..." . E a ficha ainda me custaria mais uns segundos até cair, enquanto ela continua: "Li uma crônica sua e achei o máximo!". E aí, a ficha cai: é a Gisele! "Pena não te encontrar...", ela diz, ligando talvez de uma janela em frente ao mar de Palaiokastritsa, a voz quase triste de não me achar... E ainda dá tempo de atender, se você for rápido! Dava - mas em dias assim, você sempre pensa duas vezes. E então, já era... "Tudo bem, te ligo outra hora".
E você o que sente é alívio quando ela desliga e você se abraça ao "Um beijo" que ela deixa como quem se abraça a um travesseiro para dormir. Aliás, Gisele, se deixarem recado eu vou apagar antes de ouvir. Já pensou se é você? Eu vou ficar muito triste... E ainda teria de escrever uma crônica: "O dia em que a Gisele Bünchen me ligou - e eu não atendi".
Enfim, como se costuma dizer: deixa quieto. Hoje é um dia que nem o melhor daria certo. Um dia que eu devia ter o direito de decretar de feriado íntimo. É isso: não quero férias, décimo-terceiro, carteira asssinada, indenizações milionárias. Quero o direito de decretar meus feriados íntimos, meus lutos oficiais, meus carnavais de meio de ano.
Porque tudo que eu quero desta vida é ser um cronista vagbundo das coisas ínfimas, íntimas e desprezíveis. Todos esses nomes, cargos, horários, documentos - tudo isso me parece tão triste quanto um circo de subúrbio com seus palhaços desbotados e perversos. É isso o mundo? Podem ficar com ele...