Eu adoro um lugar-comum. Até o nome é bonito: lugar-comum. Lembra banco de praça, janela de ônibus, cadeira de bar. Ou sombra em dia de sol de frente pro mar. A imagem é boa, pois não há nada mais acolhedor do que um lugar-comum. Todo lugar-comum é um discreto refúgio, um ponto de encontro. Sobretudo quando não sabemos o que dizer. E, se a gente for rigoroso, leitor, vai concordar que raramente temos a dizer algo mais que um lugar-comum
"Um lugar-comum vale mais do que mil palavras", digo eu, parafraseando a mim mesmo, que costumo dizer "Uma boa frase vale mais do que mil palavras", parafraseando o ditado "Uma boa imagem vale mais do que mil palavras." Conclusão: a paráfrase é filha do lugar-comum! Paráfrases de lugares-comuns, eis a síntese de tudo.
Mas, cá entre nós, como é bom ouvir um "A vida é cheia de altos e baixos" em tom consolador, quando tudo que parecia ir tão bem, de repente, sem maiores explicações, começa a dar pra trás... Como é bom, nessas horas, ter alguém, uma amigo ou um simples conhecido, que diga "A vida é assim mesmo...". E a gente ouve, só balançando a cabeça, como se dissesse "É verdade...". E o amigo, a esta altura já com o braço em volta do nosso ombro, faz também que sim com a cabeça como se acrescentasse um solidário e mudo "Mas nós estamos aí...". E ficamos ali, os dois, quietos, no mais perfeito entendimento.
Aliás, se a paráfrase é filha do lugar-comum, o silêncio significativo é seu irmão mais velho. Em geral, apelamos para o silêncio siginificativo quando nem o lugar-comum é capaz de nos salvar. Mal comparando, se o lugar-comum é um banco de praça, o silêncio significativo é marquise em dia de chuva. Nos apertamos num silêncio significativo, com emoções subentendidas a nos roçar as canelas da alma. E lá ficamos, certos de que um silêncio significativo vale mais do que mil palavras e que as paráfrases são inesgotáveis.
Há muitos silêncios significativos: de solidariedade, de censura, de espanto. Há, na verdade, exatamente um para cada tipo de sentimento que se possa expressar em palavras. Mas todos têm a vantagem de serem, ao mesmo tempo, econômicos e pródigos. A significação do silêncio é proporcional à sua duração: quanto maior o silêncio, mais sentido caberá nele. Ou seja: quanto mais tempo passarmos calados, mais estaremos dizendo.
E assim, chegamos, quase sem querer, ao gesto mudo. Irmão mais novo do lugar-comum e do silêncio significativo, o gesto mudo, junta a discreta pompa de um à precisão do outro. O leitor há de dizer que todo gesto é mudo, no que concordo, com a ressalva: há aqueles que falam pelos cotovelos. Aliás, vale a advertência: quem fala pelos cotovelos acaba enfiando os pés pelas mãos e perdendo a cabeça. Eu sei, isto é um lugar-comum, mas vai dizer que é mentira? Espero que você tenha feito um silêncio significativo e concordado, num gesto mudo.
Quando falo em gesto mudo aqui, falo no sentido literal de "gesto puro". Em geral, o gesto vem sempre acompanhando palavras para lhes enfatizar o tom. Dizer que nós brasileiros falamos com as mãos é, aliás, um lugar-comum. Mas não me refiro a esse gesto, orquestrado e coadjuvante. Falo exatamente do gesto puro e radical que substitui não só as palavras, mas o silêncio.
Balançar a cabeça é o mais comum. E o mais rico. Há tantas maneiras de balançar a cabeça, tantos sentidos que se criam combinando a velocidade do movimento com olhares e expressões, que, nas escolas de Teatro, balançar a cabeça deveria ser até uma matéria exclusiva. Já pensou? Balanço de Cabeça I, Balanço de Cabeça II...
Recordo agora um outro gesto mudo, tão simpático, mas que acabou caindo em desgraça: o tapinhas nas costas. Infelizmente, com o tempo, o tapinha nas costas foi perdendo seu sentido carinhoso para empapar-se de cinismo. Mas voltemos na cena do início desta crônica, o amigo que, em um momento difícil, passa o braço sobre o nosso ombro e nos diz, balançando a cabeça: "A vida é assim mesmo...".
A cena se estende e finaliza com um silêncio significativo seguido de um tapinha nas costas. É o que basta - se formos modestos e realistas.
Hamlet gosta de repetir: "Palavras, palavras, palavras...". Pois eu não resisto a lhe dar um tapinha nas costas e corrigir: "Lugares-comuns, silêncios significativos e gestos mudos...".