25 de março de 2002
Papo Mandrake

O Jabor vive entrevistando o Nélson Rodrigues no além e o Elio Gaspari vira-e-mexe sintoniza algum finado figurão da República. É o jornalismo espírita, uma espécie de jornalismo investigativo à brazileira. O médium e a mídia: dava uma tese. Como não sou médium, tenho que me limitar ao mundos vivos. Mas há no mundo dos vivos seres tão abstratos e imortais quanto as almas: são os personagens. Como as almas, eles também sabem tudo.

Por conta do caso Roseana Murad resolvi consultar quem é do ramo. Gosto de romances policiais - o que não me faltam são nomes. Liguei primeiro para Mandrake, de Rubem Fonseca.

- Só duas palavrinhas...
- Não gostei da sua crônica sobre charutos.
- Imagino...
- O que você quer?
- Houve grampo?
- Você não lê as revistas?
- E o que você acha?
- Faz sentido. Os federais chegaram no dia certo.
- Como assim?
- Nem bandido guarda mais tanto dinheiro no cofre. O alvo não eram os computadores, mas o cofre. Eles queriam pegá-lo "cheio". Pegaram.
- E quem fez a escuta?
- Terceirizaram. Para não deixar rastros oficiais.
- Agora me me dê alguma coisa nova, Mandrake.
- Não tente parecer durão. Você não faz o tipo... Ouvi uma longa baforada do outro lado da linha.
- Um Suerdieck... Para trabalhar, prefiro os curtos.
- Eu sei... Madrake parecia mais animado.
- Você ouviu o discurso do Sarney?
- Ouvi...
- Denúncias graves e nenhuma repercussão... Quer um palpite? O governo agiu cedo demais. Isolou os inimigos, mas deu tempo para eles se reagruparem. E na hora do perigo, esquecem-se as diferenças. Tasso deve estar contente. Toda essa gente vai cair de mão-beijada na candidatura de Ciro.
Mais baforadas do outro lado. Só baforadas. Mandrake não queria mais papo. "Você não entende nada de charutos", ele disse. E desligou.

Mandrake não ajudara muito. Liguei para Lenny Sands, a bicha enrustida que alimenta de fofocas a revista Hush-Hush, de James Ellroy.

- Você quer os detalhes sórdidos?
- Você tem?
- Seu sujo... Digamos que Roseana não soubesse mesmo daquele dinheiro?
Eu podia ouvir Lenny do outro lado saboreando meu silêncio. Reserva pessoal? Negócios particulares? Podia ser... Isso explicaria a surpresa dos Sarney e o tempo que levaram para dar uma resposta.
- Calcanhar de político sempre tem nome... O deles se chama Murad.

Agora Lenny saboreava sua própria frase. Um artista, o Lenny. Mais dois ou trê segundos e ele continuou.
- Foi o próprio Sarney quem disse no discurso que sabia que estava sendo vigiado. Como então...? Você sabe somar, não sabe? E a cara do Murad depois, lendo - lendo! - sua própria confissão?!
- OK, Lenny... Faz sentido, mas não nos leva muito longe. Canta outra música...
- Você escolhe...
- The Press...
- Humm, já vi que você aprecia um bom arranjo...
- Como assim?
- Como assim?! Acho que vou contratar você pra meu "escada"! Vai dizer que não percebeu que a Globo "mudou de lado"? E que todas as tentativas do PFL de "reagir" foram abafadas? O tal contrato de 1,8 milhão da Saúde com a tal empresa de varredura, por exemplo? Ninguém parece muito interessado no assunto, reparou? Estranho, não? Todo mundo sabe que a Globo deve mais de três bilhões de dólares e não tem como pagar sem a ajuda do governo. Agora me diga: com quem você preferiria negociar uma dívida - com o Murad ou com o Serra? Sabe como é, se você não escolher bem o credor, ele pode acabar seu sócio...

Lenny gosta de parecer esperto, mas não passa de um fofoqueiro malidicente. Desliguei. Precisava costurar todas as conversas em duas ou três frases que encerrassem a crônica. Ia ser difícil... Não conseguia acertar o foco. Os movimentos eram lentos, mas o tempo passava vertiginoso. O PMDB fechara mesmo com Serra. Sarney sairia do partido? Eu não apostaria nisso.. Era madrugada já e uma tempestade avançava, os relâmpagos quase silenciosos cortando o céu, o cheiro da chuva aos pouco inmpregando o ar...

Na TV, FHC respondia a ameça de Sarney de pedir observadores internacionais para acompanhar as eleições. "Para quê? No Brasil, nós já temos os observadores: é a mídia". Acendi um cigarro e fui para a janela. Começava a trovejar. "É...", pensei, "Via ser mesmo um jogo sujo...".