O jogo era uma partida de xadrez equilibrada e tensa quando, de repente, aos 37 minutos, uma camisa sete alvinegra que parece habitada por Garrincha dispara com a bola, sambando em cima dela sem tocá-la, a bola sumindo e aparecendo aos olhos atônitos de Rogério, dócil paredão de músculos que recua como se a mesma força que mantém a bola imantada aos pés de Robinho agisse sobre ele de modo inverso, empurrando-o para trás, irresistivelmente, até a grande área.
Um toque mínimo e Robinho não deixa ao zagueiro senão a alternativa do pênalti, previsível e inevitável, feito por uma perna desgarrada que se esticara sem saber bem se para matar a jogada ou manter de pé o corpo desarticulado pelo drible. Pênalti batido pelo próprio Robinho que, sem uma "paradinha" explícita, soube esperar o goleiro pular para colocar a bola no canto oposto.
E quando, no segundo tempo, o Corinthians ameaçou virar o jogo, foi de novo Robinho que, em dois lances de puro brilho, traçou no ar sua geometria do impossível e pôs dois companheiros de frente para o gol.
Foi uma decisão sensacional, jogada por 21 craques e um gênio. Nenhuma falta violenta e jogadas emocionantes de parte à parte. Um jogo sem perdedores, um jogo de campeões. Foi na verdade, a vitória da arte contra a estupidez que confunde habilidade com esculacho. Arte é provocação - e fim de papo.
Enfim, um jogo para guardar com carinho na memória e incorporar ao repertório de casos que contamos nos mesas de bar, no balcão do café ou quando nos falte uma lembrança melhor que nos alegre. Aquele menino esguio e magro fazendo a zaga corintiana zanzar sob seu comando de um lado para o outro como um lençol açoitado pelo vento não é coisa de se esquecer.
Agora, alguém bem que podia lembrar ao Galvão Bueno que existe uma incompatibilidade completa entre a lei da gravidade e a vontade humana. Ninguém "deixa cair o corpo" ou "até pensa em cair" porque acha que a queda será mais vantajosa do que continuar correndo com a bola. O sujeito cai simplesmente, e contra a vontade, pela ação de forças que a Física explica e traduz em equações complexas desde Isaac Newton. Quanto ao Leão, uma jaula na beira do campo resolve o caso.
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Este texto foi escrito logo depois do jogo, com o sangue ainda quente e o espírito maravilhado. Não há uma linha de exagero. Pelo contrário: impossível para mim ser mais preciso.