22 de setembro de 2003
Meus onze dez mais filmes

Semana passada falei sobre livros. Minha lista de livros fundamentais. Minha lista de onze dos meus dez mais. Foi um sucesso. Não a crônica em si, mas a lista. Gostamos de listas, classificações, pesquisas. Elas produzem comparações e controvérsias, alimentam papos intermináveis, rememorações. Pensando bem, as listas são uma maneira de tornar agradável dois cacoetes miseráveis do ser humano: o gosto pela ordem e a vaidade das comparações. "Minha ordem é melhor que a sua": é só juntar os dois - a vaidade e o conservadorismo - e você tem aí a fórmula de todas as guerras, intolerâncias, preconceitos. Muito melhor fazer listas. Listas alegremente injustas, embriagadas de subjetividade.

Fora que é uma preguiçosa solução para qualquer cronista. No caso de uma lista de filmes ainda me sobra o "gancho" do Festival de Cinema que começa esta semana.

Mas cinema é uma arapuca... Já estou aqui há horas pensando e mesmo para uma lista dos onze dez é difícil... Muitos filmes, muitos diretores... Vamos partir dos diretores para chegar aos filmes... O primeiro de todos: Billy Wilder. Não me lembro de um filme ruim dele e fez pelo menos uma obra-prima, para mim o melhor filme de todos os tempos: "Sunset Boulevard" - sem falar de "Se meu apartamento falasse" e "O pecado mora ao lado"... Coisa de cinéfilo: ainda vou entender a paixão de Billy Wilder pelas escadas...

Em segundo lugar, no photochart, Buñuel. "A idade do ouro" é a coisa mais corrosiva que assisti em cinema e "O anjo exterminador" outra obra-prima.

Em seguida, Chaplin - outro que não tem filme ruim, mas que entraria com "Tempos Modernos" - ainda que pudesse ser qualquer outro...

Depois, Orson Welles. Gosto muito de "Cidadão Kane", mas prefiro "A marca da maldade", porque é mais denso, mais dramático. Mas para não me distanciar muito da opinião dos outros, coloco "Cidadão Kane" na lista...

Em quinto, no bolo, Fellini. O que colocar dele: "Amarcord", "Oito e meio", "La doce vita", "Entrevista"? Escolho "Oito e meio"... Wim Wenders - na minha lista não pode faltar, Wim Wenders... "Paris, Texas", "Alice nas Cidades", "Asas do desejo"... Fico com "Asas do Desejo"...

Ainda usando o diretor como ponto de partida, acrescento de Hitchcock, o meu preferido: "Janela indiscreta"... Glauber é genial demais para constar em qualquer lista e talvez só venha a ser reverenciado como um dos grandes inventores do cinema daqui a uma ou duas décadas... Dele, eu coloco "Di", um curta entre tantos longas, apenas para ser provocativo... Mas poderia colocar "Cabeças cortadas" ou "Terra em transe"... Acho que esses são os diretores que conheço de ter visto vários filmes, várias vezes... Os diretores dos filmes seguintes eu não conheço tão bem, por isso, vou citar primeiro o filme...

"O encouraçado Potemkin", de Eisenstein, "Morangos silvestres", de Bergman e "Além da linha vermelha", de Mallick, completam minha lista de dez com onze.

Mas meus afetos e idiossincrasias, além do espaço que me resta, exigem que eu estenda esta lista para abarcar também os filmes que talvez nem sejam assim tão importantes ou geniais, mas que se tornaram meus prediletos.

É injusto que "Beleza americana" não conste da minha suposta lista universal dos dez mais. Ou que eu fale em "minha lista" e não cite "Casablanca", de Michael Curtiz, "Último tango em Paris", de Bertolucci, "Os desajustados", de John Houston e "Cantando na chuva", de Stanley Doney e Gene Kelly. Ou não cite um filme sequer de Godard... Ou um desenho do Walt Disney. Ou um "Tom e Jerry" das antigas... Ou...

Então, para encerrar, vou acrescentar o último dos últimos, um filme que não consta de nenhuma lista e provavelmente jamais constará, uma fábula que bem poderia se chamar "Só por hoje", mas que no Brasil se chama "O feitiço do tempo". Não conto nem a sinopse - ou melhor: conto. Um jornalista de tv chato, egoísta, mesquinho e medíocre (sem exagero...) vai pela enésima vez cobrir "O dia da marmota" em uma cidadezinha americana, aquele tipo de matéria absolutamente idiota mas que você é obrigado a fazer entra ano, sai ano. Pois bem, por um desses mistérios de Deus, o cara fica "preso" nesse dia. Explico: uma tempestade de neve o obriga a passar a noite na cidade, depois de fazer a reportagem. Quando acorda no outro dia, ele está de novo no dia anterior, o "dia da marmota", e toda a seqüência de eventos se repete minuciosamente. Ele dorme e acorda de novo no mesmo dia e assim sucessivamente. Juro que se alguém me perguntasse qual o roteiro que eu gostaria de ter escrito eu responderia: "O feitiço do tempo".