Que luz! O mundo limpo depois da chuva rebrilha suas cores contra o céu todo plúmbeo de um tom cinzazul quase indizível. Por onde se filtra essa luz que deixa as coisas assim tão cheias de si, exatas e sem sombras? Sei lá! Tratei de fotografar. Se fosse um crente, louvava, se fosse um índio, dançava. Eu, do jeito que sou, fotografei, vivo do mesmo fervor. E depois vim escrever isto, que ainda hei de polir até virar lente para os teus olhos de leitor.
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E se você me perguntasse se estou feliz, eu responderia sem titubear que eu sou feliz por vocação, porque ver a vida me alimenta, ainda que o convívio às vezes me aflija, me confunda, me entristeça.
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E se você insistisse em saber que bicho eu sou, eu diria que uma mistura impossível de gato malicioso e cachorro bobão: se deixar, eu fujo; se me encurralar, eu mordo. Ou um peixe fora d'água - que precisa ao menos de uns mergulhos no mar e um pouco de sol para sobreviver. Só que não pára de chover...
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Também não fui eu quem inventou o trabalho e o patético cenário que nos quer tão sérios ou tão vulgares. Muito menos inventei o salário. Eu não inventei nada. Eu vivo. Deixo a vida me levar, como diz o Zeca Pagodinho. E até votei no Lula - sem a menor esperança de que não se cumprisse o medo. Mas votei... E na próxima, votarei no Brizola, mesmo que ele não seja candidato. É o último espectro a expurgar. Fora o recorde: eleito aos 85 anos seria o primeiro da história universal - que eu saiba.
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Não pára de chover. Chuva de verão - tão previsível quanto discurso de ministro. Mas ainda morre gente quando chove assim. A chuva não tem culpa. Os homens morrem porque não sabem viver. Nem votar. Quem fiscaliza rios, edificações, encostas? Quem? Os homens. A chuva, mesmo em sua beleza mais bruta, é sempre uma dádiva.
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E a dor? Parente, casa, mobília. De súbito, tudo se perde. Chove o homem suas lágrimas e a vida segue, indiferente. É verão e a macabra loteria das chuvas ainda terá outras extrações. E essa só quem ganha são os pobres. A dor? A uns ensina, a outros revolta. E a violência se alastra. As mágoas vão tomando as calçadas, as ruas, descendo os morros de enxurrada. Mágoas. "Isso que eu ouvi foi tiro?". Nunca se sabe...
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Parou de chover... Mas a alma, ainda úmida, encharca o corpo de preguiça. Não quer sair. Limita-se a se deixar escrever estes falsos versos, frases que soam mais do que dizem...
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É preciso acabar esta crônica que, de tão despedaçada, perdeu o rumo. Não consegui lhe dar o brilho prometido. Nem polindo. Acontece... Queria ter sido mais poético, chuva é coisa que me encanta, mas as notícias são desastrosas e aguaram a crônica.
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Voltou a chover. Chove de doer. É triste. Um dia há de ser só festa.