23 de fevereiro de 2004
Conversa fiada cara

Não tenho celular. Nunca achei que precisasse de um na minha vida. Não gosto da idéia de ser localizado a qualquer hora em qualquer lugar. Pouco me agrada também a possibilidade de ter uma telefone a mão para ligar para onde eu quiser assim que me der na cabeça. Imagino a quantidade de problemas que já foram criados simplesmente porque o sujeito não teve de esperar o tempo de chegar em casa para ligar. Essa coisa de "pegar o celular e ligar", num ato contínuo é certamente desastrosa.

Uma briga de namorados adolescentes por telefone celular, o liga e desliga que não deve ser... E mãe neurótica, marido ciumento, patrão desconfiado, cliente inseguro...? Eu às vezes fico acompanhando o papo dos outros no celular.. Aliás, a coisa mais ridícula do mundo é gente que faz do mundo uma vasta cabine telefônica, gente que caminha pelas ruas aos berros, gesticulando, como se fosse Deus no quinto dia, finalizando a Obra.

E o que mais me impressiona é que é caríssimo. Tão caro que as pessoas só deviam falar no celular em latim ou em linguagem telegráfica. Que nada! Eu estimo que 70% das conversas por celular são adiáveis ou inúteis. Vazias de significado. Quer dizer: os capitalistas arranjaram um jeito de ganhar dinheiro fácil com a coisa mais comum do mundo humano que é a quantidade inesgotável de besteira que a mente é capaz de produzir. Sofisticação comercial é isso. Pagamos caro para dizer bobagens, nossas bobagens que nos são tão caras - aquilo que pensamos que somos, uma coleção equívoca de opiniões alheias a que aderimos sem saber muito bem porquê...

Certas coisas a gente só devia falar por carta, de preferência em sonetos - já para dificultar bastante, para fazer o sujeito pensar bem antes de mandar... Nesse sentido, o e-mail é o "primo ajuizado" do celular. Porque ele é rápido, sem ser imediato, e é por escrito e não falado, o que exige que a gente meça as palavras...

Eu diria mesmo que o computador é o melhor amigo do homem urbano, o cachorro virtual desse estranho ser que vive ilhado em sua própria casa conectado com o mundo pela corrente do seu cachorro mordendo o próprio rabo (não se assuste com a frase: é só uma definição amalucada do conceito de rede..).
Teclando, em tempo real, teclando - modo mudo de falar, telepatia visual de letras que se expandem silenciosas pelo claustro planetário em expansão: onde vamos parar? Quando vamos parar? Será que vamos parar?

E os computadores ainda envelhecem mais depressa que os cães. Quando você começa a se acostumar, ele já está obsoleto.
Com os computadores eu me entendo. Dificil pra mim é celular. Não o uso, mas a compra. A quantidade de planos, tarifas, marcas, empresas, modelos, sistemas disponíveis é tão grande, tudo tão complicado que cheira a malandragem de vendedor. Aliás, acho essa falsa idéia de liberdade, um saco. Liberdade de ter, de escolher? Liberdade é liberdade de ser. O resto é espelhinho que se dá para índios em troca de suas riquezas.