19 de abril de 2004
A Ordem do Pau Brasil

De todos os e-mails que recebi semana passada o mais divertido foi o do Marcos. Deduzi da mensagem que ele é adolescente, mora em São Paulo e me descobriu na internet num momento de aperto: Marcos estava mal em inglês e precisava de uma boa nota. Pois bem, estava eu navegando sossegado pela Rede, quando me chega o seguinte e-mail: "cara, você manda muito bem, sua "traduça" da Emyli Dikcisom me salvou anota de ingles no 1º bimestre, valeu".

Reproduzo a mensagem com todos os erros paras mostrar que o Marcos é mesmo um artista. Tanto que imediatamente escrevi de volta para lhe dar os parabéns e agraciá-lo com a Ordem do Pau Brasil - instituída por mim em homenagem aos oitenta anos da publicação do Manifesto Pau Brasil por Oswald de Andrade, no Correio da Manhã. "A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos."

Claro que o Marcos, na sua modéstia e na sua pressa, nem sequer me respondeu - o que muito me orgulha, porque não costumo errar na avaliação de meus pares. Por isso, não fiquei sabendo qual das duas traduções de Emily Dickinson disponíveis no Café Impresso o Marcos usou. Pode ter sido esta - e acho até mais provável que seja:

Para criar a pradaria
Basta um trevo e uma abelha
Um trevo, uma abelha,
E fantasia.
E só a fantasia bastaria
Se abelha faltasse.

Do original:

To make a prairie
It takes a clover and one bee,-
One clover, and a bee,
And revery.
The revery alone will do
If bees are few.


Dessa tradução eu lembro bem. Estava vagando pela noite num sábado e dei de cara com esse poema decorando a vitrine de uma lojinha no Mercado São José... A cada verso original seguia-se a tradução em itálico... Como estava só preambulando, sem nada pra fazer exatamente, fiquei namorando o poema até lhe arranjar uma nova solução. Como a noite acabou sendo longa e eu não anotara nada, só no domingo à noite fui me lembrar do poema de novo... Tive de fazer uma pesquisa no Google para descobrir o original e refazer de memória a tradução da véspera. Lembro também que achei engraçadíssimo a quantidade de abelhas que achei em Emily Dickinson.

A história da outra tradução é menos prosaica. Achei o original no site de um curso de inglês, seguido de uma tradução pavorosa. Na mesma hora, fiz a minha - que achei o máximo. Só tem um problema: não tenho a menor segurança de que esteja certa!
Por isso, torço para que tenha sido esta que o Marcos usou - e se deu bem. Porque aí eu teria certeza de ter feito um bom trabalho. De qualquer maneira, como vou reproduzi-la a seguir, certamente vai me aparecer um leitor caridoso para dizer se está boa ou ruim, verdadeira ou falsa. Primeiro o original:

Tell all the truth but tell it slant -
Success in Circuit lies
Too bright for our infirm Delight
The Truth's superb surprise
As Lightning to the Children eased
With explanations kind
The truth must dazzle gradually
Or every man be blind
-

Agora a tradução:

Diga a Verdade, mas diga-a devagar
o sucesso da fala nisso repousa
Luminosa demais para o enfermo gozo
A Verdade é sempre poderosa surpresa.

Como à criança o raio se explica
para que ela possa sossegar
A verdade deve dar-se aos poucos
Ou a qualquer um há de cegar

Certa ou errada, a graça está na rapidez com que cheguei a este resultado: foi de cara quase. Traduzir é um exercício semântico mais ou menos igual aos jogos de palavras dos jornais. Tenho várias. Tenho até uma versão para o clássico do jazz "Stormy weather"... Sabe de uma coisa? Vou colocar tudo no Café... Marcos, valeu... Se não fosse você eu nem me lembraria mais delas. Fique de olho que ainda faltam mais três bimestres - e a gente não pode deixar cair nossa média.