Falem do Rio o que quiserem, que a cidade é violenta,
caótica, injusta, uma ilusão balneária
vulgar e fútil, uma folclórica falsidade de
cartão postal. Falar mal é sempre um dos exercícios
mais eficazes a que se pode dedicar um ser humano. Não
importa o tema, seja pessoa ou coisa, sempre se consegue arrumar
defeitos e se afundar neles com mais facilidade do que quando
se trata de falar das virtudes de alguém. O difamador
é, diria-se, um esteta que se dedica ao detalhe para
o deleite de sua platéia deliciada com tanta malícia.
Já o admirador é um näif, um primitivo
tosco que quase não tem palavras para descrever seu
encantamento.
E se é assim com pessoas e coisas, o que dirá
com cidades como o Rio, soma inexata de vontades embrulhada
numa geografia de pedra e água que muitos tomam como
um privilégio.
De fato, ser carioca é desejo íntimo de cada brasileiro, eu diria mesmo, de cada ser humano: o Rio como representação genérica do paraíso, cidadania ideal e idealizada. Assim como existe uma Jerusalém celeste, há um Rio celestial que vive na fantasia dos homens nostálgicos de um mundo justo e bom.
Agora, pense o leitor... Os EUA são um país
aéreo - a impressão que se tem é que
lá pega-se avião com aqui se pega político
colocando a mão na nossa grana: um atrás do
outro. De onde se depreende como consequência lógica
implacável que os EUA têm um número imenso
de aeroportos. Não é preciso nem pensar para
concluir imediatamente que não faltam aeroportos na
América.
Pois pasmem: não há na América um só
Aeroporto Cole Porter.
Só o Rio para ter um aeroporto Tom Jobim. Em vez do
nome de um político que nos roubou tanto que chegou
a aeroporto, um maestro, o sujeito que fez o equivalente carioca
da Gioconda, da Vênus de Milo que é "Garota
de Ipanema".
Isso, digo modestamente, é genial. Aliás, façam
o teste no Google. Escrevam lá: "Cole Porter Airport"
- assim mesmo, entre aspas. Nada. Nem um mísero resultado.
Se você for dessas pessoas meticulosas, pode fazer disso
uma pesquisa do tipo "que outro músico contemporâneo
recebeu a homenagem de ser aeroporto?" e sair substituindo
o nome antes de "Airport": "Miles Davis Airport".
Nada. "Charlie Parker Airport". Nada. "John
Lennon Airport"...
Caramba, leitor! Existe em Liverpool o John Lennon Airport!
* * *
Meus caros cidadãos liverpoolianos! Quem vos saúda em toda a intensidade de sua retórica monoglota é um carioca, um cidadão do Rio de Janeiro, que também teve a idéia de batizar o lugar de onde sobem e descem essas figuras de sonho que são os aviões com o nome de um músico nativo que outra coisa não fez senão confeitos para nosso espírito.
E eis aí uma dessas imagens tão ao agrado dos impressionistas que somos: a súbita união de cidades tão díspares como Rio e Liverpool por conta do amor à música.
E eu vos descrevo, então, Liverpool, assim: um porto como o Rio, habitado por uns crioulos muito brancos e supermusicais e umas mulatas loirinhas que são um luxo.
(E já que estamos falando de música e internet, procurem na Rede com minúcia de apaixonado a versão de Dizzie Gillespie de "Stormy Weather". Nada mais imprescindível nestes dias de tão exuberante luminosidade que os doces metais de Dizzie cantando "Don't know why there is no sun up in the sky"...)