27 de junho de 2005
Ironias e golpismos

Raramente escrevo sobre política. Acho que há quem o faça com muito mais competência na Tribuna. Mas desta vez não há como evitar. Afinal, não se fala de outra coisa a não ser as denúncias do deputado Roberto Jefferson.

Dizem que o traído é o último a saber. Bobagem... O traído, seja homem ou mulher, é o primeiro a desconfiar e o último a crer. Porque acreditar implica em um rompimento definitivo, algo muito mais doloroso do que o eventual deslize do outro.

Pois nessa história de suspeita de corrupção no governo Lula, o brasileiro está no papel do traído. Perplexo e desconfiado, ele reluta em acreditar. "Se for verdade, eu nunca mais voto", me diz o Walter. "Fiquei um dia amargurada. Graças a Deus, passa. Fico pensando o que é necessário para sair do imobilismo, quanta coragem é preciso ter para fazer a autocrítica e tocar a bola para frente", me escreve a Deborah. "Lula saiu da história para entrar no marketing", resume o Gabeira.

Eu, em política, sou um cético. Estou lendo Robert Nozick, o último exemplar de "Anarquia, Estado e Utopia" encontrado nos depósitos da editora Jorge Zahar. Nozick é um dos teóricos do "Estado mínimo" e a expressão sintetiza todas as minhas expectativas e esperanças em relação ao Estado e a à política: quanto menos, melhor.

Então, para mim, nenhuma surpresa. O Estado brasileiro é um gordo Leviatã que corrompe a todos que dele se aproximam pela óbvia razão de que não há outro modo de tocá-lo.

Mas percebo uma ironia que é, ao mesmo tempo, exemplo do aspecto macunaímico da sociedade brasileira e da adiposa lentidão do Estado.

Antes, uma rápida e necessária digressão. Pode soar desagradável a ouvidos delicados, mas o grande responsável pela aceleração do fim da ditadura foi o sr. Paulo Salim Maluf, ao disputar e vencer, na convenção do PDS, o sr. Mario Andreazza, candidato dos militares à sucessão do então "presidente" general João Figueiredo.

A crise que se seguiu à escolha de Maluf abriu espaço para o movimento Diretas Já!, devidamente sepultado por Ulisses Guimarães e cia. para dar lugar ao grande acordo conservador que resultou na chapa Tancredo Neves/ José Sarney, vencedora de Maluf na eleição indireta do Colégio Eleitoral.

O resto todo mundo conhece. Tancredo tornou-se, no dizer de um popular que acompanhava seu enterro trepado no Urutu que levava o caixão, "o maior presidente que o Brasil já teve", e Sarney, que apoiava Andreazza, ganhou uma vaguinha na História. Deve essa a Maluf...

Pois não é que agora o sr. Roberto Jefferson desponta como o detonador da reforma política que ameaça emergir desta crise?

Além da triste ironia de ser coadjuvante involuntário de uma história escrita por heróis sem nenhum caráter, me chama atenção também a presença no ar de dois "golpismos", um à direita e outro à esquerda.

O PSDB ameaça com o "golpe" do parlamentarismo, uma espécie de HIV oportunista que se instala no organismo político brasileiro a cada crise.
Já se fala em novo plebiscito em 2006 para tentar (mais uma vez!) legitimar esse "desvario elitista". O Brasil, se alguma tradição tem em política, é de ser presidencialista. E ponto final.
Quem quiser um roteiro mais preciso do "golpe", basta ler o artigo do ex-presidente Fernando Henrique em O Globo de domingo retrasado, 19 de junho.

O outro "golpe" é o chavismo de José Dirceu e afins. O PT, acuado pelas denúncias de Michael Jefferson, resolveu partir para o tudo ou nada. Abriu a cartilha leninista e ameaça levar a militância para as ruas.

Tudo bem, são bravatas, "golpismos" entre aspas, com pouca ou nenhuma chance de prosperar. Mas causam o mesmo impacto desagradável de piada contada em velório.