Resolvi pintar meu banheiro. Tarefa simples, pensará imediatamente o leitor. Não quando você se chama Antonio Caetano, um sujeito de duvidosos atributos artísticos e nenhum senso prático. Ou seja: com uma perigosa inclinação para complicar as coisas.
O problema já começou na escolha do pintor. Havia duas opções: um que acabara de fazer trabalho semelhante e dava mostras de entender de pintura com tinta epoxi e outro cuja única qualidade evidente era ser gago.
Por alguma razão inexplicável sinto uma imediata empatia com os gagos. Suponho que talvez sua angustiante dificuldade de se expressar soe para mim como uma espécie de síntese da minha relação comigo mesmo e com o próprio ato de escrever. Terei uma alma gaga? Não sei, mas entre o que digo e o que sinto abrem-se às vezes abismos transpostos a muito custo.
E, além de gago, o sujeito era negro e se chamava Tião. Imagine o leitor a figura e me diga se um gago preto chamado Tião não é a própria imagem da simpatia? Para finalizar, Tião me chegou recomendado por uma pessoa muito querida. Então, claro, escolhi o Tião.
Não me enganei quanto à simpatia. Faltou foi competência. Na hora de passar o selador, Tião misturou o componente A do selador com o componente B da tinta. E passou nas paredes! O resultado pode ser resumido na resposta que ouvi de um técnico do fabricante da tinta sobre o que usar para remover "aquilo": "Não sei. Nunca vi nada igual!".
Pois eu quando vi, fechei os olhos, certo de que me tornaria invisível, assim como tudo mais à minha volta. Só abri de novo quando cheguei à conclusão de que, se nunca se viu nada igual, estávamos diante de um artista! Ou melhor, de uma dupla de artistas. Na verdade, a pintura do meu banheiro não é uma obra qualquer, mas uma obra de arte. Uma instalação. Por isso, resolvi entrar com um pedido de financiamento pela Lei Rouanet. Levando em conta tudo que já investi em tempo e dinheiro pensei em orçar o projeto em, no mínimo, 100 mil reais.
Um produtor cultural sensível e tarimbado certamente já terá enxergado, em tudo que eu descrevi até agora, as justificativas de um projeto de vanguarda. Tinta epoxi? "Uso de materiais novos". Mistura errada de componentes? "Experimentalismo radical". Perplexidade do fabricante das tintas? "Ineditismo", "Confronto com a estética burguesa". Eu e o Tião? "Interseção de classes", "interesse social". E por aí vai...
Então, meus amigos, nenhuma pressa. Parem de me perguntar se já terminei de pintar o meu banheiro! Não é mais disso que se trata. Estou agora explorando os efeitos solventes da água e do tinner sobre "aquilo". Os resultados têm sido impressionantes e estão sendo registrados em vídeo. O que já fez aumentar um pouco mais o orçamento. Mas não me apressem. Temos um ano inteiro pela frente!
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"Trabalhe como se não precisasse do dinheiro. Ame como se nunca tivesse sido magoado. E dance como se ninguém estivesse olhando!" Li isso no perfil da Argentina Yayu (isso mesmo, o nome dela é Argentina!), lá no Orkut e é o que desejo a todos nós em 2006!