Anicca, a lei suprema

A lei suprema não é o kharma, a infindável teia de causas e efeitos que gera as sucessivas encarnações marcadas por sofrimento e limitação. A lei suprema é anicca, impermanência, o exato oposto do kharma.

O kharma existe enquanto não aceitamos a impermanência, a condição finita de todas as coisas mundanas, preço que pagamos pela experiência da singularidade. Só podemos viver a experiência de sermos únicos e singulares enquanto seres finitos. Só Deus, por princípio, pode ser simultaneamente singular e infinito. Se a genuína aceitação de anicca (impermanência) nos conduzirá a alguma nova condição de vida singular – a construção de uma alma singular, como parece ser a promessa de Cristo – é uma especulação que só nos atrapalhará na difícilima tarefa de aceitar e vivenciar anicca para superar a condição egoista que nos escraviza ao kharma.

Há nisso um grande koan, aparentemente paradoxal: o kharma existe e não existe. Existe, como ilusão negativa do ego, como sua crença mais fundamental: se isto então aquilo. Não existe – ou melhor, se dissolve – quando a lei suprema da impermanência é encarnada definitivamente em uma vida.

Buda e os professores de Vipassana insistem que os alunos abandonem as especulações e se dediquem com empenho e disciplina à pratica da meditação. Essencialmente, estão nos dizendo sempre uma mesma coisa: “Vivam o presente”. Eles insistem que fixemos nossa atenção no presente, no imediatamente dado, na única realidade a que temos acesso que é aquela que se identifica com as sensações do corpo.

De fato, o presente identifica-se com o sensível – do mesmo modo que a memória se identifica com o passado e a imaginação com o futuro, numa redução ideal das faculdades que constituem a consciência.O presente é o corpo, enfim.

Só o corpo e o silêncio nos pertencem genuinamente. Pois até as palavras nos são emprestadas.

6 Comentários

  1. “o presente se identifica com o sensível”. adorei isso. Mas a palavra “identificar” ainda tem a ver com autoria, com ser igual a si mesmo. e o presente muda sem parar. sensivelmente.
    beijos meditativos

  2. Luiz, eu cheguei à meditação Vipassana impulsionado pela leitura das “Meditações metafísicas” de Descartes, fonte de toda a filosofia ocidental moderna. Desde então me pergunto: “onde foi parar a tradição meditativa cristã?”Depois do Vipassana, passei a me interrogar sobre a relação entre Buda e Cristo, buscando continuidade, em vez de oposição.A identidade ética é inegável, mas aparentemente o budismo visa à aniquilação e o cristianismo à constituição de uma alma. Digo “aparentemente” pq essa é minha hipótese de trabalho no momento.

  3. cara, eu só me lembrei do retiro q fiz aqui em bsb. cheguei até a ouvir a vozinha do goenka dizendo, com forte sotaque indiano: “keep your entire attention focused on your rspiration…”ótimo post, antonio! só acho q ficou meio confusa a parte em q vc fala do kharma e do cristianismo. prefiro pensar em termos da ação (boas ou más) e suas inevitáveis conseqüencias. mas concordo q a sabedoria da impermanência e a atenção constante ao presente são fatores fundamentais para levar uma vida feliz e plena.

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