O tamanho do mundo, a quantidade de gente, a variedade das coisas. Tudo tão singular a ponto de quase exigir um nome. E, no entanto, simplíssimo: a matéria é a mesma e as formas seguem uns poucos padrões. É de abismar a beleza que disso resulta. A beleza e o mistério.
Então como pode a vida às vezes ser tão chata?
A lista de razões é imensa e quase todas são produto dos humores que animam os olhos de quem a vê. Mas é inegável que também ocorre de a razão da chatice ser os outros. E deles, reclamo menos do egoísmo do que do altruísmo sonso.
O egoísta eu posso entender – é meu igual. Seu egoísmo tão miudamente humano chega a ser singelo. Mas a que alturas celestiais se eleva alguém que imagina ter em mente a solução para os problemas do presente, a leitura correta do passado, a visão profética do futuro? O que tem na cabeça o sujeito que se acredita em condições de legislar sobre a vida de milhões de pessoas em nome sabe-se lá de que princípios, quando acontece de existir algum? Enfim, que imagem de si mesmo tem esse bípede, em tudo tão parecido com um homem qualquer, que diz desejar o poder com a única intenção de salvar o mundo, o país, a mim?
Dizem que o poder corrompe. Eu acho que o simples fato do sujeito desejar o poder já é sinal de uma alma corrompida. Machado de Assis, em Esaú e Jacó, um de seus melhores romances, diz que que não é a ocasião que faz o ladrão. A ocasião faz o furto; o ladrão já nasce feito. O mesmo raciocínio vale para a corrupção e o poder: o poder oferece a ocasião; o corrupto já nasce feito. No máximo, ao chegar ao poder, se descobre finalmente impune para corromper e ser corrompido sem preocupação.
Chamei seu altruísmo de sonso. Terei sido injusto? Ou será que de fato o poderoso, num delírio de suprema vaidade, crê estar mesmo apto a cumprir as promessas que faz?
Para responder seria preciso esmiuçar a psicologia do poderoso. Ou deveria ter dito “do corrupto”? Afinal, no Brasil, já mal os distinguimos. Tenho mesmo a impressão que se o poderoso não roubar corre o risco de nem ser reeleito. Exemplos não faltam.
Não me ocorre nenhum livro que trate do tema, a psicologia do poderoso corrupto. Talvez porque em nenhum outro lugar o poder tenha roubado tanto. Atingimos no Brasil um patamar de corrupção inédito e originalíssimo; o repertório de meios e a galeria de tipos que podemos oferecer à pesquisa médica certamente nos garantirá um lugar privilegiado entre as nações.