Ser homem é já ter sido tudo. Essa vasta alma que habito abarca o infinito e nada que neste e em outros mundos viva pode me parecer estranho. Por isso, por tudo que existo, estou condenado ao amor. Porque na vasta alma que habito há o cão, o gato, a pedra, o mar, a árvore, o pássaro, a flor, a fruta, o céu, o chão; o homem e a mulher, o velho e a criança, o louco e o são; há a dor e a alegria, a paz e o sofrimento. “Sim, há de tudo na vasta alma que habito.”, eu repito para mim como um aviso que me mantém alerta e imune a todo desalento.
Sentado na areia à beira do mar, assisto com compaixão e encantamento a passagem lenta e distraída desses outros que sem saber são parte da minha alma. Vim dar um mergulho rápido, no intervalo entre os poucos afazeres de uma semana quase vazia, espremida entre dois feriados que marcam o fim de um ano e o começo de outro. Vim dar um mergulho, mas o mar não faz jus ao dia: bate violento, insuflado por correntes e ventos que não sei muito bem de onde vêm. Fico sentado tentando ler o mar. Observo o ritmo das ondas, a forma como elas quebram, para me decidir se valerá a pena ao menos um mergulho. Não era esse o mar que eu esperava. Hoje não há força nem coragem no meu corpo para atravessar a rebentação e lá me abandonar, entregue.
Mas minha alma também se reconhece nesse mar bravio e traiçoeiro, em outros dias tão manso e límpido. Não me é estranho esse mar imprevisível e inconstante. Ao contrário, tudo parece dele ter herdado a plasticidade de ser tantos sem nunca deixar de ser o mar.
De tanto perscrutar desisto do mergulho: o mar hoje não me é espelho. Aproveito então o sol, o coco e a água doce que jorra farta dos chuveiros que os barraqueiros instalam para atrair clientes. Tenho de ir escrever esta crônica que foi se desenhando devagar na minha mente enquanto eu imóvel e anônimo como uma sombra apenas olhava o movimento.
Tenho de ir. Um novo ano nos espera e já terá começado quando teus olhos passearem por aqui, leitor, por esta praia que também habita a tua alma tão vasta quanto a minha.
Amo suas crônicas, Antônio.
Mande-me sempre.
Bom domingo.
Abigail(Didi)