Um silêncio cinza

Um silêncio cinza se apoderou de mim nesse fim de tarde tão incerto que nem as horas coincidem com a luz, efeito do horário de verão e de um não sei o quê a me deixar perplexo sem nada haver que me deixe perplexo.

Na falta do que dizer me lembrei de uma piada, a mais metafísica de todas que conheço e talvez por isso a tenho guardada na memória para repeti-la exatamente nessas horas em que nada me ocorre dizer ou quando numa roda social é minha vez de contar um caso ou uma piada.

É assim: o diretor do hospício chega de manhã e vê um interno com o ouvido colado à parede, a expressão concentradíssima. Não dá muita bola, afinal são todos loucos, mas quando desce para o almoço lá está o homem na mesma posição, a ouvir a parede com toda atenção. Na volta do almoço, ele continua lá e, finalmente, quando à noite o diretor encerra o expediente, o louco ainda está no mesmo lugar, imóvel e atento. O diretor, animado pela curiosidade, não se contém. Aproxima-se dele e com todo cuidado pergunta:

– O que você está ouvindo?

O louco gesticula pedindo silêncio e indica ao diretor que também encoste o ouvido na parede. Coisa que ele faz imediatamente. Ele se concentra, espera um pouco, mas nada.

– Não estou ouvindo nada… Ele cochicha para o louco que lhe responde com a expressão mais perplexa do mundo:

– Pois é, está assim desde de manhã…

Em Tabacaria, Fernando Pessoa tem um verso que bem poderia ser o equivalente dramático-poético da piada:

“Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta”.

Uma parede muda e sem porta também me encara. Há um abismo em cada instante, mas basta desviar o olhar e seguir em frente. É o que faço. Escrever às vezes me salva. Sem recusá-lo, vou colorindo esse silêncio cinza de palavras que só em mim ressoam, me fazendo vibrar por dentro. Rio da piada tantas vezes repetida e me repito no mesmo tom perplexo: “Está assim desde de manhã…”. E retorno à minha obstinada vocação para o impossível.

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