O padrinho

Há 15 anos, uns amigos me convidaram para ser padrinho da filha deles. A cerimônia, marcada para às 10 da manhã de um domingo de verão, seria simples, mas festiva, porque várias crianças seriam batizadas no mesmo dia.

Eu aceitei, decidido a ser um padrinho exemplar. Fiz até curso de padrinho na igrejinha da Urca onde seria realizado o batismo. E mais: seria um padrinho de terno e gravata. No sábado de véspera, já tinha a roupa preparada, um terno leve, cinza, camisa branca e gravata bordô. Para não chegar suado, escolheria um táxi com ar condicionado. Acertei o despertador para as oito e pronto. Não havia como errar. Ah, minha afilhada, nunca subestime nossa humana vocação para o erro!

Sucede que o dia do seu batismo seria também o primeiro dia do horário de verão e eu, ao cumprir o ritual de acerto dos relógios – aquela altura da noite, já um tanto distraído pela paixão que sentia pela moça que estava comigo – ao invés de adiantar os ponteiros em uma hora, eu os atrasei!

Bom, Isadora, você pode presumir o desastre! Quando o meu relógio marcava oito, para o resto do Rio de Janeiro já eram dez horas! Tudo bem, cerimônias religiosas costumam atrasar e no fim talvez tudo se acertasse. Mas acontece que nesta vida existem muitos abismos. Para os apaixonados há, em especial, dois bastante reais, diga-se: o abismo horizontal da cama e o abismo vertical do chuveiro. Era verão. Éramos jovens. Jovens, bonitos e apaixonados. Resultado: entre um e outro abismo, gastamos todo tempo que pensávamos ter.

E então eis que toca o telefone.
– Já chegou?, me perguntou minha mãe, um tanto espantada.
Mães são assim: se esperam que o filho chegue ao meio-dia, começam a ligar às onze. E se os encontram, espantam-se.
– Como assim? O batismo é às dez.
– Mas já são onze!

Num relance, entendi tudo! Saí de casa ainda me vestindo e peguei o primeiro táxi que apareceu. Claro, um Fusca sem ar condicionado! Pra piorar, o trânsito na Urca estava impossível: num domingo de verão até a praia da Urca lota! O carrinho foi avançando devagar naquele calor e eu, a certa altura, preferi saltar e ir a pé. Entrei na igrejinha sonsamente barroca, esbaforido e suado, a gravata mal ajambrada, os punhos da camisa desiguais. Mas cheguei! E, como num filme, me posicionei do seu lado exatamente no momento em que o padre começava a batizar você. Para minha sorte, você foi a última!

Não sei se, afinal, alguma foto registrou o instante, mas eu nunca esqueci o olhar de reprovação que sua avó e madrinha lançou de soslaio para mim. Só não se surpreenda, Isadora, se o tempo – e, claro, meu paupérrimo desempenho como padrinho – tenham dado a esse olhar um tom de humorado ceticismo premonitório. Porque, neste mundo tão plástico, tudo muda. Até o passado! Não esqueça nunca, nunca, disso. E use sempre fio dental.

1 Comentário

  1. Um Toto, um Peppino de Felippo da Urca… dá pra fazer um curta neo-realista com isso. Você sabe que eu tenho uma afilhada que chama minha mulher de madinha e eu de madinho…Abraços

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