Caranguejos, vassouras e velharias

Hoje o dia está machadiano. Eu hoje só sairia de casa se fosse de tílburi.

Chove sem parar há dias. Uma chuvinha miúda – insistente e triste como um daqueles pregoeiros que vão gritando seus produtos pela rua. Quase todo sábado passa um por aqui vendendo caranguejo. Acho que ele os pesca em algum lugar do Flamengo, sei lá. Ela vem com os caranguejos vivos pendurados em fieiras num pau apoiado no ombro. Os caranguejos estão ainda sujos de lama e se contorcem com uma lentidão que combina com o jeito que ele arrasta a palavra “caranguejo” quando grita.

(Caranguejo é gostoso, mas é uma coisa chata de se comer. Comer caranguejo é um abacaxi. Duas coisas que decididamente não querem ser comidas: o caranguejo e o abacaxi. Compare com a galinha e a manga, tão amigáveis…)

Outro que passa é o vassoureiro. Sua voz é mais simpática. Deve ser porque carrega uma coleção inimaginável de vassouras, de todos os tipos e tamanhos e de variadas cores. A família das vassouras, eu não sabia, é vastíssima: começa nas escovas – que tanto podem ser avós ou filhas – e vai dos espanadores às vassouras de teto, altas como girafas amarelíssimas. Deve ser por isso, por carregá-las feito estandarte, que a voz do vassoureiro parece mais vibrante quando ele estica seus erres e esses e vês como se espanasse o vento.

Há ainda o sujeito do ferro velho – que de tão chato, chega a ser engraçado. Ele passa numa Kombi mambembe anunciando que compra tudo: “Panela velha, geladeira velha, máquina de lavar velha…” A voz meio fanha e deliberadamente monótona enfatiza o “velha” depois de cada palavra…

Mal acabo de escrever isto e como que por milagre ele aparece lá embaixo! E, ao contrário do Esteves de Tabacaria, ele tem lá sua metafísica: é o carro funerário das coisas. “Panela velha, geladeira velha, ar condicionado velho…”

Eu tenho aqui umas tristezas velhas. Tão velhas… Já nem funcionam mais. Umas eu às vezes até tento ligar, mas estão arranhadas, desbotadas, já não se escutam bem… Com essa chuva, também calha de uma ou outra me doer. Aí só passa se alongo os olhos na janela e consigo ver beleza nessa chuva e me alegrar com ela…

É o jeito. Porque tristeza velha ninguém quer. Nem o ferro velho.

1 Comentário

  1. N?o escrevo, mas leio. E bendita seja Deborah de Paula Souza por n?o ter trocado o teu nome como prometera e me permitir te encontrar. Neofita no blog, vou ler cada pedacinho dele e, com certeza, me deliciar…D.

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