O dia amanhecera com cara de primavera. Era aniversário de seu falecido pai e pela primeira vez lhe ocorria pensar que havia algo de primaveril no jeito dele ao mesmo tempo delicado e telúrico. Silencioso, contido – profundamente intenso, como as flores ainda invisíveis nas árvores.
Emocionava-se ao pensar em seu pai. Certamente era assim com todo mundo, o velho culto aos ancestrais só que esvaziado de todos os rituais que no passado remoto criavam alguma forma de contato – real ou imaginário? – com o espírito dos mortos. “Somos mais primitivos do que o mais primitivo de todos os homens”, pensou, “angustiados por um sentimento tão antigo quanto o mundo, mas despido agora de todos os meios de expressão.”
Estranhamente sentia-se mais próximo de seu pai agora do que quando ele era vivo. Difícil entender como os mortos podem às vezes parecer mais presentes do que os vivos. Talvez porque agora procurasse o que havia de seu pai em si mesmo e só aí enxergasse um caminho, o genuíno caminho, para o enigma que se tornara. Sensível à ambigüidade do mundo – que sempre lhe soava como ironia – lhe agradava pensar que quanto mais sem solução a vida lhe parecesse, mas próximo estaria do milagre. Ele queria o milagre mais do que qualquer solução. Talvez por isso avançasse a despeito de toda a dificuldade.
O que entendia por milagre, afinal? Ele interrogava a si mesmo observando o céu límpido, sem traço de nuvens, depois de tantos dias de chuva – e via ali a resposta. “O azul vazio de nuvens” soava como um nome para a simplicidade e clareza que desejava alcançar. No entanto, sentia-se tão distante desse céu, tão fraco para alcançá-lo…
Como o animal faminto procura alimento em tudo, ele também atento se nutria de cada coisa que se oferecia aos seus olhos ávidos. Agora mesmo, enquanto esperava sua hora lendo sob o sol, tomara para si umas palavras que lhe encheram de aceitação e ânimo: “Porém nenhum saber era um saber certo; o porvir sempre dispunha de mais de uma direção possível. Não se podia sequer desistir da esperança.”
Não desistiria.
Quem escreveu o texto acima fui eu..rose mp
Criar esperanças já é o milagre.
Também lembrei do meu pai.Me emocionei, muito.Boa semana.