– Quer jogar botão?
Não lembro exatamente como o papo nos conduziu ao convite, mas logo depois que eu disse “Topo”, João apareceu com uma caixa de botões e uma mesa. Tive de improvisar uma bola, feita com o papel laminado do maço de cigarros dos pais dele, a Denise e o Pedro. Fazia muito, muito tempo que eu não jogava botão, mas, como se diz, quem foi rei, nunca perde a majestade. Não tive dificuldade de vencer meu pequeno amigo, que é um craque no futebol digital jogado no Playstation.
Mas ficou uma saudade dos meus botões. Eu os tenho até hoje guardados numa caixa de charutos Pimentel # 2. Desencavei meu tesouro.
Eram 10 times completos, mas há muito, muito tempo, dei dois times com as cores do Botafogo para o Caiuá, quando namorava a Adriana, mãe dele, e um beque de osso com as cores do São Paulo para meu primo Eric. (Sim, já cobrei dos dois a devolução dos presentes, quase 30 anos depois, mas isso é outra história ingenuamente mesquinha, tão humana e sem grandeza, engraçada até: pedir de volta uns botões tão relutantemente presenteados há tantos anos…)
Agora restam oito times e um beque viúvo. Esses botões foram meus mais íntimos companheiros dos 7, 8 anos até quase os 14. Sei de cor (sim, de couer) a escalação de quase todos os ataques – porque as defesas seguiam as cores de cada time, segundo um padrão bem definido: os beques tinham três camadas, os laterais e o cabeça de área, duas. Só os atacantes eram coloridos, delicadamente chanfrados e boleados – e quanto mais baixos, melhor.
Este rosa quem me deu foi minha mãe. Lembro que senti vergonha porque rosa é cor de menina, mas o botão se revelou um craque, e virou o meu Garrincha, camisa sete… Este preto era o meu Pelé e com ele fiz gols memoráveis. E tem este de coco, que o Valter fez para mim – ele que também tirava com gilete a “barriga” dos botões. E há os que “roubei” do Maurício, meu primo-irmão, quando ele se desinteressou por jogar botão, um pecado que até hoje me amarga um pouco o sonso coração: só lhe roubei os melhores!
São lindos, todos de galalite – um material, Claudia me explica, precursor do plástico e que hoje não existe mais, ou ao menos não mais com a qualidade de antigamente. Eu mesmo pude acompanhar essa “decadência” dos botões, que foram ganhando camadas e as cores dos times e perdendo sua colorida e inusitada individualidade.
Fui numa lojinha no começo da rua Senador Vergueiro comprar para o João os dadinhos que se usa como bola. Fiquei vagamente triste ao descobrir que “já não se fazem botões com antigamente”.
Uma curiosidade: quem criou o futebol de botão foi um brasileiro, o Geraldo Cardoso Décourt. Esse sim merecia uma estátua.
Meu irmão tinha os botões dentro de uma caixa de charutos Punch. Eu adorava vê-lo jogar… gostava mais ainda de ouvir o tom de voz especial que ele usava para narrar a partida, imitando os narradores do rádio. Mas o que eu mais apreciava era o pedaço de parafina que ficava junto dele… beeeeem junto dele. Sabe por quê? Eu costumava não resistir e tirava um pedacinho para fingir de chiclete. rsEle deu, há pouco tempo os botões, mas sempre pede para conferir cada um. Eu fiquei com a caixa de charutos. Guardo com carinho, lembrança de um tempo bom.Gostei da crônica, muito.Abraço.