Denis Lerrer Rosenfield, in O Globo, 19.01.09
Martin Luther King já dizia que o antissionismo é o novo disfarce do antissemitismo.
Em vez da pessoa se dizer antissemita, o que seria politicamente incorreto, ela se diz antissionista, como se, assim, as aparências fossem salvas. O Hamas ancora todo o seu discurso contra a “entidade sionista”, dizendo, com isso, procurar a “libertação da Palestina”.
O problema, contudo, está no sentido conferido à expressão “libertação da Palestina”, pois, na verdade, ele quer dizer a destruição do Estado de Israel, segundo consta de sua “Carta”, de 1988: “Israel existirá até o Islã o apagar do mapa, exatamente como fez com outros no passado.” Aliás, nesta mesma “Carta”, ele se posiciona contra toda reunião internacional: “As iniciativas de paz, ou soluções pacíficas, ou conferências internacionais são contrárias aos princípios do Hamas… Não há outra solução para o problema palestino a não ser a Jihad.” Libertação significa aqui morte do outro: “O dia do julgamento não virá até que os muçulmanos matem todos os judeus.” Surpreendente, no entanto, é o eco desse discurso entre certos setores do jornalismo e da intelectualidade (que certamente não usa o intelecto), que reproduzem os mesmos termos, acrescentando outros, como se as ações de autodefesa do Estado de Israel fossem “terrorismo de Estado”, “genocídio” e “práticas nazistas”. O PT, em particular, mais uma vez se mostrou à altura de sua falsificação da história, o que é coerente com sua linha de maltrato da moralidade, da ética na política, com o “mensalão”, os “aloprados”, as “cuecas” e outras formas de afirmação de seus “princípios”. Digno de nota, porém, é o fato de ele, agora, abraçar a causa do “terrorismo islâmico”, dentro, certamente, de sua luta contra o “sionismo” e o “imperialismo”. Seu perfil totalitário fica ainda mais nítido. Evidentemente, não precisa mais se dar o trabalho de distinguir entre a “causa palestina” e o “terror”.
O Hamas é uma criatura da Fraternidade Muçulmana, grupo religioso de oposição ao governo egípcio. Dentre os seus feitos, destaca-se o assassinato de Anuar El Sadat, o presidente que fez a paz com Israel. Cometeu, aos olhos dos fundamentalistas islâmicos, um pecado capital: reconheceu o Estado hebreu. Pagou com a sua própria vida. Israel retirou-se dos territórios ocupados e, desde então, reina a paz entre Estados que, no passado, foram inimigos. A paz, porém, é inaceitável para o terror. A ideologia deste grupo teológicopolítico é fortemente impregnada de posições antiocidentais, abominando, principalmente, a igualdade entre homens e mulheres, a liberdade dos costumes, a democracia e a tolerância. Não é casual que o segundo homem na hierarquia da alQuaeda seja egresso da Fraternidade Muçulmana.
Afinidades eletivas! São certamente impactantes e condenáveis as cenas de crianças mortas. Aliás, o Hamas conseguiu, nesse sentido, bem instrumentalizar a opinião pública internacional e nacional. O que não se diz, todavia, é que o Hamas utiliza mulheres e crianças como “escudos humanos”. Israel tem poucas vítimas civis. Por quê? Porque se preocupa com os seus cidadãos, construindo abrigos e criando sistemas de alerta. O que fez o Hamas? Criou passagens e túneis subterrâneos para os seus militantes, colocando, na frente de batalha, crianças e mulheres, de modo que elas pudessem se tornar vítimas para a opinião pública. Claro que, assim, as baixas civis só poderiam ter aumentado.
Baixas civis, aliás, que são intencionalmente infladas, pois os “combatentes” do Hamas, agora, estão lutando com trajes civis, abandonando os seus uniformes, de tal maneira que as suas mortes não apareçam como as de militantes.
No Brasil, temos intelectuais (sic!) que fazem manifesto contra a agressão israelense a universidades e mesquitas. Ora, não conseguem compreender — deve ser muito difícil! — que mesquita não é mesquita, escola não é escola, universidade não é universidade, da mesma forma que libertação não é libertação. São centros de armazenamento de armas, foguetes, refúgios de terroristas, além de locais de endoutrinação e treinamento. É o que foi mostrado, recentemente, no Paquistão, onde uma mesquita cumpria precisamente essa função.
O drama palestino reside na ausência de líderes e partidos políticos efetivamente comprometidos com a criação de um Estado. Arafat não esteve distante disso quando, em Camp David, esteve próximo de aceitar a proposta do então primeiroministro de Israel, Ehud Barak, hoje ministro da Defesa. A proposta consistia no reconhecimento recíproco, na criação de dois Estados, na retirada de Israel de mais de 92% dos territórios ocupados e na divisão de Jerusalém, que seria a capital compartilhada dos dois Estados. O problema, contudo, não foi a partilha territorial, nem a divisão de Jerusalém, mas o que as lideranças palestinas chamam de “direito de retorno”, de em torno de 4,5 milhões de pessoas. Retorno para onde? Para dentro do Estado de Israel e não para a nova pátria palestina! Israel teria de abrigar em seu território pessoas criadas no ódio aos judeus, que equivaleriam quase à sua população. Trata-se, na verdade, da destruição de Israel por outros meios. Por que não um acordo envolvendo esse retorno ao novo Estado? Ademais, esses refugiados foram os que acreditaram nas lideranças árabes da época que, seguindo o Mufti de Jerusalém, pregavam atirar os judeus ao mar. Os palestinos que não os seguiram são, hoje, cidadãos israelenses e desfrutam melhores condições de vida do que em qualquer outro Estado da região. Qualquer solução definitiva só poderá se fazer tendo como pressuposto o reconhecimento recíproco, a retirada de Israel dos territórios ocupados e a renúncia à violência enquanto meio de resolução de conflitos políticos.
Não podemos, porém, seguir os cantos dos falsos humanistas, que encobrem os seus preconceitos com belas palavras!
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Denis Lerrer Rosenfield é professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Olá, Antonio, querido. Voltei de minhas férias e estou atualizando minhas leituras. Estou com saudades.Beijos!