O Artur é uma figuraça! Deve ter uns três anos, mas o seu prazer não é andar nessas máquinas infantis que se espalham pelos shoppings. Não! Ele gosta é de vê-las funcionando. A mãe coloca a ficha e o Artur começa a correr em volta da máquina sob o olhar preocupado da mãe, temerosa que o menino acabe sofrendo um acidente. Mas ele parece atento aos riscos, pois, ao mesmo tempo que se curva e agacha e espicha para acompanhar os detalhes do movimento da nave espacial que sobe e desce e vai e vem, esquerda e direita, para cima e pra baixo, olhando-a por todos os ângulos possíveis, o Artur também foge dela e se desvia e esquiva, enquanto comenta com a mãe numa linguagem muito expressiva, cheia de exclamações de surpresa e êxtase, mas que só eles dois entendem.
Quem passa e calha de prestar atenção na cena ou não entende nada ou pára discretamente para assistir o show do Artur.
Outro guri chega com o pai e os dois parecem dispostos a esperar pacientemente a sua vez, mas a mãe do Artur logo oferece:
– Se você quiser, pode colocar o seu filho no brinquedo… O que o meu gosta mesmo é de ficar olhando…
Penso sentir certo tom de resignada estranheza na voz da mãe de Artur, como se o gosto do menino fosse de uma bizarrice incompreensível… Talvez seja só um pouco de enfado por ter de novamente repetir a mesma oferta e a mesma explicação, o espírito já pronto para responder a alguma réplica cheia de ironia ou espanto.
Mas o pai do outro menino simplesmente atende a sugestão da mãe do Artur e coloca o filho na cabine da nave – para alegria redobrada do Artur que agora também se dirige ao piloto em sua linguagem alienígena! O outro menino está visivelmente constrangido com a quebra da ordem previsível e olha para o pai com a expressão universal de quem não está entendendo nada.
E eu, ali ao lado, tirando uma xerox, encantado por ter o privilégio de testemunhar os primeiros passos de um gênio. Porque é claro que o Artur tem tudo para ser um engenheiro, um inventor de máquinas ao melhor estilo de um Nikola Tesla – esse gênio tão injustamente esquecido. Ou um diretor de cinema. Ou… Enfim, o Artur desde os três anos é esse genial atormentado que quer ver as coisas por dentro, que só fora delas se sente dentro delas, numa contradição apenas aparente, porque indescritível como método.
Ah! Meu queridíssimo Artur, rezo para que você logo cedo aprender a lidar com essa curiosidade insaciável, essa insatisfação com o que existe, essa ânsia de êxtase que vão acompanhar você por toda vida. Que você logo aprenda a suportar sua genialidade e o olhar cheio de descrédito ou inveja dos outros homens. E se um dia precisar, conte com este seu, desde muito cedo, sincero admirador.
Nascem pra criar, pular, dançar, ser menos tristes, mais felizes. Por causa duma infância bruta, perdem tudo. Se e quando pais, emocionalmente doentes ,( e sem culpa disso) castram, inibem, impedem a vida… Pais competitivos não dão a vez. “Esse mundo é meu, vou te devorar, filho!” Melhor o aborto, ou a meia vida, tentativa arrastada de pular o muro onde o desastre da infância derrubou alma, olhos, vestes? À bênção dos pais que façam prosperar o filho!
Que bonito e atento olhar, Antonio.É o lhar que todos os pais e Educadores deveriam ter; o olhar da observação.Só a partir da observação atenta e amorosa, se pode ver um futuro gênio e investir nele.Toda criança tem sua genialidade, basta saber observá-la, acolhe-la, prestigiá-la, enfim…Tocante a crônica.Abraços, Taninha