Ilusão e destino seriam as traduções que imediatamente me passariam pela cabeça quando falo em maya e karma. A leitura de O Budismo Zen (The Way of Zen), de Alan Watts, mostra o quanto é superficial essa idéia e como conduz a conclusões erradas que facilmente associam o budismo e taoismo ao idealismo mais reles. Partindo desse ponto, que não esclareço mais para não privá-los da leitura de Watts, digo que maya é também o passado que recobre o presente, anulando sua espontaneidade. Então, se nosso intuito é viver o presente, é preciso antes afastar o “véu de maya” que o anula. Que passado é esse que quase sem que saibamos se infiltra no presente? São os comportamentos que aprendemos, são os traumas, as neuroses, as ilusões complacentes, a coleção de aversões e cobiças que se expressa sob a forma geral de um “eu sou assim”. É o drama infantil, quase sempre familiar, que revivemos, em busca de perdões, vinganças e outras compensações que jamais se cumprirão, porque de novo, apesar de todo o enredo aparentemente novo, a história sempre acabará do mesmo jeito. Essa reptição que se assemelha a um destino (mas não passa de um drama já tão bem ensaiado que até o tomamos por nós mesmos) isso é karma. Fica então fácil entender como maya produz karma e porque a meditação vipassana é uma terapia, uma cura para os “nós emocionais” que são um obstáculo à livre circulação da vida em nós.
“São os comportamentos que aprendemos, são os traumas, as neuroses, as ilusões complacentes, a coleção de aversões e cobiças que se expressa sob a forma geral de um “eu sou assim”. É o drama infantil, quase sempre familiar, que revivemos, em busca de perdões, vinganças e outras compensações que jamais se cumprirão, porque de novo, apesar de todo o enredo aparentemente novo, a história sempre acabará do mesmo jeito.”
Gostei muito disso.
Coincidentemente, pouco antes de ler seu texto e essa frase, estava lendo algumas coisinhas do John Gray (o filósofo inglês, professor da London School of Economics). Acho que voce iria gostar de alguns ‘insights’ dele:
“Religiões não-antropocêntricas, como o taoísmo, parecem mais próximas do mundo que nos é apresentado… E, porque pregam uma certa modéstia sobre o lugar dos seres humanos no esquema das coisas, essas religiões são mais capazes de promover a felicidade. No entanto, recomendo também algumas filosofias ocidentais, como o epicurismo. O grande poema A Natureza das Coisas, de Lucrécio, é um antigo guia para viver feliz num mundo em que o homem não é a figura central.”
“Acho que a religião tem um papel central na cultura humana. Não acredito que existam religiões verdadeiras ou falsas – apenas as mais e as menos bonitas, ou as mais e as menos esperançosas. Quem gosta de religião se aproxima mais da poesia do que da ciência…”
“o conhecimento não liberta o homem, apenas aumenta seu poder – um poder que pode ser usado para o bem ou para o mal. Nesse ponto, sou um pessimista: o futuro da humanidade será igual a seu passado, só que com mais conhecimento.”
Li “Falso Amanhecer…” dele e babei (nao é coisa de esquerdista, é muito requintado, vai por mim). Vou ler um pequeno livro que ele escreveu sobre Voltaire. No geral, ele fala coisa com coisa. Apenas acho que a crítica dele à idéia de progresso, bem como ao humanismo merece algumas críticas: afinal, não dá pra negar que boa parte da humanidade hoje vive em condições menos precárias que há séculos atrás. Houve esforços que não culminaram em totalitarismo e houve melhoras. Depois, ele pega Hume, Voltaire, Rousseau, o evolucionismo científicos dos positivistas do século XIX e joga tudo no mesmo saco… um pouco leviano, talvez? Mas é um homem que vale a pena ler.