É para você que escrevo ainda. Ou é para você que não escrevo, antimusa de um silêncio que se arrasta cheio de rancor ou de tristeza. Falta-me um amor ou sobra-me um amor: sentimento espatifado que nem o tempo soube recompor ou varrer. Fica ou vai ficando como a pegada do astronauta na Lua, marca do pecado nada original de tentar ignorar o bem e o mal em nome da felicidade.
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Vagava no jardim sob a lua cheia ansioso por fazer passar o tempo e então me deparo com um arbusto quase da minha altura repleto de flores brancas e violetas, de pétalas delicadas, e de aroma igual à Miguel Pereira da minha infância. É um pé de manaca, me diz Marli. E eu que não sabia que minha infância cheirava a manaca.
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Me dou conta que é assim que tenho escrito ultimamente: arrancando beleza da paisagem árida a que se reduziu minha vida. Tornei-me deserto e, como o arbusto obstinado, abro caminho.
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Quase rubra,
a lua de si destoa
e no ar flutua,
sol noturno
marcial e quente.
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Vou deixando para trás obras inacabadas que o tempo há de falsificar ruínas.