Um fogo ardia no palco, flamejante e rubro. Os cossacos dançavam com ele e para ele, embalados por uma música frenética que estimulava saltos e piruetas inverossimeis. Dos bastidores, o menino encanta-se com os homens e com o fogo. Do lugar onde estava, o menino podia ver o fogo como a plateia o via, mas também podia vê-lo como de fato era: um fogo falso, feito de panos agitados por um ventilador. E isso o encantava ainda mais que se de verdade fosse. Encantava-o crer no que se sabia falso, mas crível. Criam – ele e a platéia de adultos – que era em torno do fogo que cossacos dançavam numa planície perdida da Ucrânia sua dança inverossimil. Não só de pano e vento se fazia o fogo, mas dessa crença tão ardente e eficaz quanto o próprio fogo. Ardia a alma dessa vontade de fé que é o fundamento da arte. E da vida, como a arte, hiperbólica, o demonstra.
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Era também dos bastidores que o menino assistia, enquanto esperava sua vez, aqueles corpos magníficos entrarem e sairem de uma realidade para outra, cossacos bailarinos…
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E havia o cheiro, de suor, de perfumes, de hálitos, das roupas, das pessoas, das coisas, dos lugares, das luzes… Tudo tinha cheiro.
(Parece que de todos os sentidos, o olfato é o único que segue por uma via nervosa própria e é processado em uma parte exclusiva do cérebro. Talvez porque na intrincada selva, fosse pelo cheiro que se podia ver à distância. Talvez construir uma civilização seja erguer um mundo feito para os olhos. Um mundo sem cheiros, feito para os olhos. Monumentos, esculturas, quadros, paisagens domesticadas em ordem e simetria. Até a suprema criação feita para os olhos: a escrita – inventora da solidão e da alma. O livro é o espelho da alma.)
Que lindo… Gosto demais de seus textos (todos), pois você consegue articular poesia, filosofia e realidade numa estética estonteante.
Maravilhoso.
Beijo.
Arísio, que surpresa! Obrigado pelo elogio e pela visita. E a meditação?
(Ucrânia é uma nova série que estou fazendo, depois do Geografia Íntima…)
Antonio,
Um belo texto, muito bom.
Parabéns!