A morte, essa despudorada, não se contenta em entrar inesperadamente sem licença. Não, quase sempre ela se instala e vai nos esvaziando aos poucos como um cruel credor que só pelos juros nos tira tudo, até não possuirmos nada além da antiga dívida ainda intacta. Sim, a morte leva-nos a vida, mas até o fim persiste a dúvida sobre o valor, sobre o sentido final do que foi vivido – e assim, falidos, nos despedimos.
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Descubro para meu horror que o mal está em mim, que é escolha minha. Descubro que o mal é quase como um lugar, uma vibração, um sintonia, uma onda onde me coloco em oposição a Deus, à eternidade, ao Bem. O que quer o mal em mim? Saciar-se. Saciar os sentidos exaustos do comum. Os sentidos que logo tornam comum o que exaurem. Os sentidos insaciáveis. Os sentidos ordenados e submissos a um desejo crescente de luxúria, de amor pervertido e perverso que quer apenas, e nada dá senão em troca – amor-moeda, amor-poder, amor-morte.
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Destino é o nome que damos à obsessão para transformá-la na fatalidade que nos isentará de toda culpa.
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A pergunta que um homem,um homem de fato, se faz ou deve se fazer não é nunca “O que eu quero fazer?”, mas “O que eu posso fazer e não estou fazendo?”.
Porque, ao menos para mim, é muito fácil, se sou honesto, responder sobre o que quero fazer. A resposta é simples: nada. Nada no sentido amplo e anti-trágico do termo: qualquer coisa que me apeteça, sem nenhum compromisso de continuidade. Nada, enfim, no sentido de sua máxima negatividade. Logo se vê que o que mais quero é o mal. Ou, se preferirem os ouvidos delicados, o pecado.
Contrariamente, me interrogar sobre o que posso fazer e não faço é ao mesmo tempo admitir meus limites e minha revolta. É examinar minha consciência e me dispor a me submeter às exigências não da carne – e do espírito insubmisso – mas… de quem? Eu poderia dizer de Deus, da alma, do mundo entendido como os outros que de mim dependem de algum modo direto ou indireto, mas talvez tudo se resuma em dizer “me submeter às exigências do Amor”, assim mesmo, com a maiúsculo.