A vida vai nos abandonando aos poucos. Primeiro, vai levando a quem amamos, um a um; mais tarde, nos damos conta que também a nós está levando, aos poucos, mas cada vez mais depressa até que nós mesmos desejamos partir, até que nossa vida se torna uma longa e nostálgica despedida, que já parece se estender além da conta e nossa vontade é dispensar os amigos que aguardam conosco na plataforma esse trem que não chega, pois ninguém tem nada com isso, com seu atraso. Mas não é assim, os trens desta estação saem na hora precisa que paradoxalmente não está inscrita no bilhete, nem é anunciada nos alto-falantes a não ser em cima da hora, sempre inesperadamente, por mais iminente que a partida nos parecesse. Então é aquele corre-corre, as expressões perplexas, o choro convulsivo de uns, a seca resignação de outros… “É a vida”, repetimos uns para os outros; uns querendo dizer que a morte faz parte da vida, outros, que ela só faz parte da vida dos que ficam – o que, pensando bem, soa mais lógico: a morte parece mesmo um acidente, um erro, um defeito qualquer de fabricação. Mas, no entanto, repetem, “É a única coisa certa desta vida”. Indeciso sobre a reposta na verdade inútil (nada se alterará de fato), melhor caprichar na despedida quando se torna claro que o trem irá chegar a qualquer momento, e então talvez não tenhamos tempo para dizer tudo que ficará por dizer, porque há muitas formas de dizê-lo sem repetir-se: um carinho nos cabelos, uma massagem nos pés, a paciente audição da mesma história contada há tantos anos, um abraço mais longo, a percepção de um velho brilho no olhar que, apesar de tudo, ainda se manifesta, às vezes, como se o tempo não houvesse passado…
Não faz dois meses que minha mãe se foi. E agora , a bagunça. E organizar a casa. Sozinha, Sim, a casa que vai ser vendida sei lá quando. Arrumar pra depois sair da casa?
Também tem uma coisa: depois que passei uns dias na UTI com a minha mãe, entendi a hora de espera e o provisório que há em tudo. No fim fica-se pendurado pelos fios.
Obrigado, Carlos!
Toninho,
Essa crônica me emocionou. Talvez porque eu já esteja na antessala de espera do trem, naquela fase em que algumas pessoas muito queridas já se foram e você sente uma espécie de rarefação dos amigos.
Como sempre, suas crônicas transbordam talento. Achei curiosa sua forma de pontuar o texto; sem parágrafos e outras formas de pontuar pouco convencionais. Mas, depois que o Saramago escreveu um livro inteiro em um só paragrafo, me convenci que quem domina a técnica da redação tem a liberdade de inovar, da mesma forma que quem domina a técnica de pintar tem o direito de expandir as fronteiras da estética.
Parabéns e um forte abraço,
Carlos Alexandre