As perguntas são de uma simplicidade embaraçosa, quase humilhante. Minha mãe me procura pelo canto do olho, ansiosa. A médica – psicóloga, talvez – tem idade para ser sua neta e repete a pergunta com carinho e firmeza. O pacto é que eu não ajude nas respostas: “Não pode dar cola!”. Minha mãe então me olha de fato, os olhos confusos cheios de súplica. Não me lembro de tê-la visto assim antes, tão desamparada e tão suplicante. Não resisto a ajudá-la e o faço de um modo que quer parecer engraçado e casual, como se a dificuldade em responder tamanha banalidade fosse a coisa mais normal do mundo. Falo rindo, genuinamente – e a médica, que talvez tenha idade para ser minha filha, me censura mais uma vez, rindo também – mas por dentro me dói. Me dói aquele olhar desamparado e suplicante; aquele olhar de criança; aquele olhar que misturava brilho e opacidade, cumplicidade e despedida. Pela primeira vez em muito tempo eu me senti reconhecido em meu papel de filho – eu, que tantas vezes num passado remoto, lancei a ela esse mesmo olhar confuso e carregado de súplica.
Minha mãe tinha pavor de ser passada pra trás. Não admitia sequer que estava quase surda.
Um dia, vendo que ela não conseguia mais tomar banho sozinha, comprei uma cadeira higiênica. Á sua revelia. Chorou quando mostrei minha intenção.
– Se um psicólogo ouvir que minha filha vai me comprar uma cadeira higiênica e ainda por cima quer que eu use uma sineta para chamar … Vai dar uma bronca em você!
Foi difícil pra mim. E ela, qto mais dependente de mim, mais de detestava. E, a situação a que chegara.
Tive de interná-la. O médico de plantão, uma rapaz novo pra quem eu tinha dado aula pro vestibular. E de pura bondade ele foi fazer o teste pra ver a memória dela que delirava por causa duma infecção.
Perguntou o nome da presidente; do governador de São Paulo…
Mas ele embatucou no ex-prefeito daqui. Foi quando ela respondeu que foi o Kassab.
E ainda tiraria um sarro com a cara do rapaz.
Mas morreu. E com isso não me conformo.
Absoluta, tierna y despiadadamente profundo.
Abrazo, Antonio.